domingo, maio 28

Domingo da Ascenção | Dia da Espiga

Mais uma vez fizémos a nossa Caminhada.
Quisémos rumar, de novo, ao Penedo de Góis. Esse que há dois anos nos impediu de o percorrer, tendo-se banhado de chuva e iluminado a nossa tarde com trovoada... obrigou-nos a ficar na Escola/Associação de Povorais, onde celebrámos com pessoas da aldeia.
Desta vez, voltámos a juntar os amigos em Góis e repetimos o almoço partilhado à porta da Escola/Associação de Povorais... no final, avançámos para a conquista do Penedo.
Começámos, então a subida



A actualização segue dentro de momentos...

... continuação (finalmente)


Subimos, subimos...
De quando em quando parávamos para contemplar, para rezar, reflectir, ...
Fomos, também, repetindo um refrão que se tornou o mote da subida:

A vida é como uma estrada
que vai sendo traçada
sem nunca arrepiar caminho!
E quem pensa estar parado
vai no sentido errado

a caminhar sozinho.

José Mário Branco, «Do que um homem é capaz», Resistir é Vencer, 2004




A proximidade da trovoada afastou-nos, mais uma vez, do cume do Penedo!
A terceira será de vez?!

domingo, maio 7

Dia da Mãe

Celebrámos a Mãe! Todas as Mães! A de cada um!
Quisémos cantar, rezar, escutar o silêncio, saborear gestos e palavras, poemas e imagens, oferecidos por todos e cada um à sua Mãe! E à Nossa Mãe!
Começámos por fazer a Festa do Acolhimento!... cantada por Pavarotti!


Mamma
(C. A. Bixio, B. Cherubini)
Mamma, son tanto felice
perchè ritorno da te.
La mia canzone ti dice
che'è il più bel giorno per me!
Mamma, son tanto telice...
Viver lontano, perchè?

Mamma...
Solo per te la mia canzone vola!
Mamma...
Sarai con me, tu non sarai piu sola!
Quanto ti voglio bene!
Queste parole d'amore,
che ti sospira il mio cuore
forse non s'usano più...
Mamma...
Ma la canzone mia più bella sei tu!
Sei, tu, la vita,
E per la vita non ti lascio mai più!

Sento la mano tua stanca
cerca i miei riccioli d'or.
Sento... e la voce ti manca
la ninna nanna d'allor.
Oggi la testa tua bianca
io voglio stringere al cuor!

Mamma...
Solo per te la mia canzone vola!
Mamma...
Sarai con me, tu non sarai piu sola!
Quanto ti voglio bene!
Queste parole d'amore,
che ti sospira il mio cuore
forse non s'usano più...
Mamma...
Ma la canzone mia più bella sei tu!
Sei, tu, la vita,
E per la vita non ti lascio mai più!

Mamma... mei più!



Como Kyrie, rezámos

POEMA À MÃE
eugénio de andrade
[Póvoa de Atalaia, 1923-2005]

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe.

Tudo porque já não sou
o menino adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha – queres ouvir-me? –
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda ouço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio do laranjal...


Mas – tu sabes – a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.



Na partilha, quisémos mostrar bocadinhos de história de algumas das mães da Comunidade ou de outras comunidades que encheram as nossas vidas...

De seguida rezámos o Credo que foi publicado na Viragem


Creio em um só Deus
que nos criou a todas e a todos
e cuja divindade impregna toda a vida
de sagrado.

Creio nas múltiplas revelações
deste Deus
que vive em cada coração humano,
que se exprime em todas as culturas
e se encontra em todas as sabedorias do mundo.

Creio
que Jesus Cristo,
o filho único de Deus,
é o rosto de Deus
na Terra
em quem podemos ver melhor
a justiça divina
a misericórdia divina
a compaixão divina
à qual somos chamados.

Creio em Cristo
que é um com o Criador,
que nos mostra a presença de Deus
em tudo o que existe
e desperta em nós o sagrado.

Creio em Jesus, o Cristo
que nos conduz à plenitude
da estatura humana,
à qual fomos chamados
antes do começo da História
e por que todas as outras coisas foram feitas.

Por Cristo
tornamo-nos seres novos
chamados a ultrapassar os limites
do nosso ser imperfeito
e elevados à plenitude da vida.

Pelo poder do Espírito Santo
nasceu da Virgem Maria,
alma pura
e coração íntegro –
sinal para as gerações vindouras
do lugar eminente da feminilidade
no desígnio de Deus
para a salvação da humanidade.

Cresceu como nós crescemos
conheceu as idades da vida.
Viveu como nós vivemos,
sujeito às pressões do mal
e centrado no bem.
Ele não rompeu com o mundo
ao qual estava ligado
Não pecou.
Nunca se afastou do pensamento de Deus.
Indicou-nos a Via,
viveu-a por nós
sofreu-a
morreu por ela
para que pudéssemos viver
com um coração novo,
segundo uma mentalidade nova
e com uma força nova
apesar de todas as mortes
a que somos sujeitos todos os dias.

Por nossa causa
e da verdade eterna,
foi perseguido,
atormentado
e executado
por aqueles
que eram os seus próprios deuses
e não respeitavam o sagrado
em ninguém.

Ele sofreu para que pudéssemos compreender
que o espírito em nós
não pode ser morto
qualquer que seja o preço que tenhamos de pagar
para permanecer fiéis ao espírito de Deus.

Morreu
mas não está morto
porque vive em nós
ainda hoje.

"Ao terceiro dia", no sepulcro,
Ele ressuscitou
naqueles que deixava atrás de si
e também em cada um e cada uma de nós
para viver nos corações
que não hão-de sucumbir
perante os inimigos da vida.

Ele mudou a vida toda
para todas e para todos nós, daí em diante.

Subiu à vida de Deus
e aí espera a nossa própria ascensão
à vida para além da vida.

Ele aí espera
julga o que foi
e o que será
segundo os seus valores
e, em nome da virtude eterna,
para o tempo em que toda a vida
será reunida em Deus,
plenitude de vida e de luz,
fundada na verdade.

Creio no Espírito Santo
O sopro de Deus
sobre a Terra
que sem cessar propõe a visão de Cristo
às almas ainda nas trevas,
que dá a vida
mesmo aos corações ainda cegos.
Ele infunde a energia
aos espíritos ainda toscos, isolados
à procura e confusos.

O Espírito falou
ao coração humano
pelos profetas
E dá um sentido novo
à Palavra
através da História.

Creio na Igreja una
santa e universal.
Cimentada pela santidade da criação
e pela santidade dos corações para sempre fiéis.

Reconheço a necessidade
de ser libertada dos constrangimentos
da minha vida agitada
e de receber o perdão
por causa da minha fraqueza.

Procuro a vida eterna
sob formas que nem sonho
e tenho a convicção
de que a criação continua a criar
neste mundo
e em nós
para sempre.
Ámen.

Ámen à criação, ao Deus que é vida, à coragem; à esperança, ao espírito de verdade, à natureza, à felicidade, à integridade, ao lugar das mulheres no plano de Deus, a Cristo que nos chama a ultrapassar os nossos limites, ao perdão, a tudo o que faz da vida o primeiro passo na expansão do nosso coração nas dimensões de Deus.
Ámen. Ámen. Ámen. Podemos com certeza acreditar em tudo isto.
Tal como Deus fez.


Joan Chittister, Ce que je crois, Editions Bellarmin, 2002 (edição francesa de In Search of Belief, Publications Liguori, Mo., USA)
Tradução de Maria de Carvalho Torres publicada em Viragem (Revista do Metanóia – Movimento Católico de Profissionais), Lisboa, nº 50-51 | Maio-Dezembro de 2005



Quisémos, ainda, partilhar outros testemunhos:

Excerto de um email do poeta açoreano, Eduardo Bettencourt, ao escritor, também açoreano, Onésimo Teotónio Almeida, anunciando o nascimento do seu primeiro filho, Mauro.
Onésimo refere este email numa das suas dia-crónicas, publicadas na revista Ler, como um dos exemplos que elevam o email à categoria de texto literário.

Antes que me esqueça, tenho a alegria de te dizer que já sou pai. Nasceu-nos um rapazinho no dia 26 do mês passado. Chama-se Mauro. Enquanto escrevo ele dorme mais a Rosa, lado a lado. Foi uma luz que nos entrou pela casa dentro, cheia de música e insónia. Do seu nascimento guardo a memória de horas incendiadas e intermináveis, o palpitar indelével dum sentimento inebriado de sofrimento. A mulher, com a sua graciosidade, magia e misticismo, traz na sua vida a exuberância, a sensibilidade, uma insuspeitada coragem e determinação para suportar aqueles densos momentos de vulcânicas dores. A mim só me restam os olhos húmidos, a garganta sem voz frente à grandeza de um acontecimento que num repente transforma o mundo, o instante da eternidade. (...) A vida é a mais lógica e misteriosa equação da alma.


Mãe
Mãe
tu és bela como uma rosa.
Não cubras a tua beleza
com pano preto
mas sim
com rosas brancas.
Não cubras a simpatia
com a antipatia
mas sim com um sorriso.

Mãe
tu és uma estrelinha
no céu que ilumina toda a minha vida.
Não te dou um cravo ou uma rosa
porque não tenho jardim,
mas dou-te a flor do meu amor
tão bela tão bela
para quem sabe amar
tanto como tu.


Maria Auxiliadora - 11 anos
in "Cabo Verde visto pelas crianças"



Mãe, eu quero ficar sozinho... Mãe, não quero pensar mais... Mãe, eu quero morrer mãe.
Eu quero desnascer, ir-me embora, sem ter que me ir embora.
Mãe, por favor, tudo menos a casa em vez de mim, outro maldito que não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e de me encontrar fugindo, de quê mãe? Diz, são coisas que se me perguntem?
Não pode haver razão para tanto sofrimento. E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para regressar. Partir e aí nessa viajem ressuscitar da morte às arrecuas que me deste. Partida para ganhar, partida de acordar, abrir os olhos, numa ânsia colectiva de tudo fecundar, terra, mar, mãe... Lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto, lembrar nota a nota o canto das sereias, lembrar o depois do adeus, e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal, lembrar cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição, partir aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para ficar...
Assim mesmo, como entrevi um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o azul dos operários da Lisnave a desfilar, gritando ódio apenas ao vazio, exército de amor e capacetes, assim mesmo na Praça de Londres o soldado lhes falou: Olá camaradas, somos trabalhadores, eles não conseguiram fazer-nos esquecer, aqui está a minha arma para vos servir. Assim mesmo, por detrás das colinas onde o verde está à espera se levantam antiquíssimos rumores, as festas e os suores, os bombos de Lavacolhos, assim mesmo senti um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o bater inexorável dos corações produtores, os tambores. De quem é o carvalhal? É nosso! Assim te quero cantar, mar antigo a que regresso. Neste cais está arrimado o barco sonho em que voltei. Neste cais eu encontrei a margem do outro lado, Grândola Vila Morena. Diz lá, valeu a pena a travessia? Valeu pois.


excerto de José Mário Branco, FMI, 1982


Mulher com filha ao colo, em Dezembro
Onde quer que esteja a mãe
debruçada sobre a filha
o Natal pousa
e repousa

Nos longos dedos da mãe
sobre os cabelos da filha
o Natal mora
e demora

Filha dormida na mãe
repetição de Belém
o Natal feito
e perfeito


Depois, rezámos com D. Hélder Câmara, na Missa dos Quilombos, de Milton Nascimento e D. Pedro Casaldáliga:

Invocação à Mariama
Mariama, Nossa Senhora, mãe de Cristo e Mãe dos homens!
Mariama, Mãe dos homens de todas as raças, de todas as cores, de todos os cantos da Terra.
Pede ao teu filho que esta festa não termine aqui, a marcha final vai ser linda de viver.
Mas é importante, Mariama, que a Igreja de teu Filho não fique em palavras, não fique em aplausos.
O importante é que a CNBB, a Conferência dos Bispos, embarque de cheio na causa dos negros. Como, como entrou de cheio na pastoral da terra e na pastoral dos Índios.
Não basta pedir perdão pelos erros de ontem. É preciso acertar o passo de hoje sem ligar ao que disserem.
Claro que dirão, Mariama, que é política, que é subversão, que é comunismo. É Evangelho de Cristo, Mariama.
Mariama, Mãe querida, problema de negro acaba se ligando com todos os grande problemas humanos.
Com todos os absurdos contra a humanidade, com todas as injustiças e opressões.
Mariama, que se acabe, mas se acabe mesmo a maldita fabricação de armas. O mundo, o mundo precisa fabricar é Paz. Basta de injustiças!… de uns sem saber o que fazer com tanta terra e milhões sem um palmo de terra onde morar.
Basta de uns tendo que vomitar para comer mais e 50 milhões morrendo de fome num ano só.
Basta de uns com empresas se derramando pelo mundo todo e milhões sem um canto onde ganhar o pão de cada dia.
Mariama, Senhora Nossa, Mãe querida, nem precisa ir tão longe, como no teu hino. Nem precisa que os ricos saiam de mãos vazias e o pobres de mãos cheias.
Nem pobre nem rico!
Nada de escravo de hoje ser senhor de escravos amanhã. Basta de escravos. Um mundo sem senhores e sem escravos. Um mundo de irmãos!
De irmãos não só de nome e de mentira. De irmãos de verdade, Mariama!


D. Hélder Câmara


Por fim, acabámos embalados pela Beatriz (coalhada de luz!) que nos cantou:

A Ana quer
A Ana quer
nunca ter saído da barriga da mãe;
cá fora está-se bem
mas na barriga da mãe
era divertido:
coração ali à mão,
os pulmões ali ao pé,
ver como a mãe é
do lado que não se vê.

O que a Ana mais quer ser
quando for grande e crescer
é ser outra vez pequena:
não ter nada que fazer,
só ser pequena e crescer,
de vez em quando nascer
e voltar a desnascer.
A Ana quer...

domingo, abril 30

Baptismo da Sofia

Como nos ensinou em tempos o Zé Dias, "o Baptismo é sempre um gesto comunitário em que está comprometida a Igreja local e, com ela, a Igreja universal".
A Sofia é hoje acolhida na nossa Comunidade João XXIII, da qual quer fazer parte e porque os seus pais acreditam que, nesta comunidade, "o Espirito Santo torna presente e actual a salvação de Jesus Cristo".
A Sofia vai crescer também na Sala da Luz, como têm vindo a fazer a Sara, a Carolina ou o Luís, e em tempos o fizeram o David, a Luísa, a Rita e muitos outros.
À Sofia queremos dizer hoje que é bem vinda à Sala da Luz. Que acreditamos que em havendo luz, há vida e esplendor – no riso das crianças e no seu olhar; numa caminhada pelos montes ou numa refeição partilhada; num arco-íris criado num vaso de água ou numa vela acesa; nos versos da Sophia ou num quadro de Botticelli.
Por isso, às vezes, damos menos importância ao rito e mais relevância à procura sincera e profunda de Deus e do seu Mistério. Muitas vezes em nós próprios, num caminho difícil, de silêncios ou partilha, de momentos mais sombrios ou mais luminosos.
Sofia, vamos pedir-te para fazer um desenho ou para trazeres uma flor. Acreditamos que vendo-te crescer também nós cresce[re]mos contigo
E como símbolo deste acolhimento que te queremos fazer hoje, gostaria de te beijar os pés, como gesto que quer significar que vamos ser companheiros de uma longa viagem.

S. Martinho do Bispo, 30 de Abril de 2006


Foi este o Compromisso que a Comunidade, pelas palavras, voz e gestos da Carminho, assumiu hoje com a Sofia!... E foi esta a imagem que lhe oferecemos!

Jean-Baptiste Camille Corot, O Baptismo de Cristo 1844-45, Óleo sobre tela, 385 x 205 cm.
Igreja de Saint-Nicolas-du-Chardonnet, Paris, França.

sexta-feira, abril 21

A paciência da Esperança

Palavras do Samelo, na Celebração da páscoa da sua Mãe Isaltina

Do meu pai, Laurindo, que teve a sua páscoa há 33 anos, recebi o desafio de, como padre, ser uma pessoa pública, sobre quem todos têm uma opinião, positiva ou negativa.
Da minha mãe, Isaltina, que tem a sua páscoa hoje, recebi 3 desafios:
– O primeiro: a paciência da esperança;
– O segundo: o de viver a existência cristã como meio de realização e felicidade — várias vezes me dizia: «filho, estás à vontade: vale mais ser um bom cristão, do que um mau padre!»;
– O terceiro: o de compreender que na Igreja da Santíssima Trindade a minha identidade de padre é relacional: sem deixar de ensinar, tenho muito que aprender; sem deixar de governar, tenho que pôr cada vez mais em prática estruturas de decisão com os outros cristãos; sem deixar de presidir à vida litúrgica, já não sou o único animador.
É que na Igreja da Santíssima Trindade todos os seus membros são irmãos iguais em dignidade, diferentes nas funções e solidários na responsabilidade.
Este terceiro desafio deu-me a minha mãe porque foi militante da Acção Católica Rural, nos tempos do saudoso Pe Saúde.
Pelo dom dos meus pais, Louvado seja Deus!


Álvaro Pires de Évora, Cristo Ressuscitado, c. 1430,
Têmpera sobre madeira, 106 x 76 cm, Szépmüvérzeti Museum,
Budapeste, Hungria.

domingo, abril 16

Páscoa

Cristo Ressuscitou, Aleluia!


Todor Mitrovic (Sérvia), The Resurrection of Christ - Descending into Hell, 2002,
Acrílico sobre madeira.

domingo, abril 9

Domingo de Ramos

Fizémos a nossa Benção dos Ramos no átrio da Sala da Luz; entrámos para a Celebração ao som de Hossana, de Jesus Christ Superstar,

Crowd
Hosanna Heysanna Sanna Sanna Ho
Sanna Hey Sanna Ho Sanna
Hey J C, J C won't you smile at me?
Sanna Ho Sanna Hey Superstar

Caiaphas
Tell the rabble to be quiet
We anticipate a riot
This common crowd
Is much too loud
Tell the mob who sing your song
That they are fools and they are wrong
They are a curse
They should disperse

Crowd
Hosanna Heysanna Sanna Sanna Ho
Sanna Hey Sanna Ho Sanna
Hey J C, J C you're alright by me
Sanna Ho Sanna Hey Superstar

Jesus
Why waste your breath moaning at the crowd?
Nothing can be done to stop the shouting
If ev'ry tongue was still the noise would still continue
The rocks and stones themselves would start to sing:

Crowd, with Jesus
Hosanna Heysanna Sanna Sanna Ho
Sanna Hey Sanna Ho Sanna
Hey J C, J C won't you fight for me?
Sanna Ho Sanna Hey Superstar


Escolhemos uma obra de Giotto para enriquecer este momento



Giotto di Bondone (1267-1337), Scenes from the Life of Christ: Entry into Jerusalem, 1304-06,
Fresco, 200 x 185 cm, Cappella Scrovegni (Arena Chapel), Padua


Depois de rezado o Evangelho de hoje, que relata todos os passos da Paixão e Morte de Jesus Cristo, iniciámos a nossa partilha com a riqueza de mais duas obras maiores da história da Arte: O Sacramento da Última Ceia, de Salvador Dali, e a Pietà Rondanini, de Miguel Ângelo



Salvador Dalí (1904-1989), The Sacrament of the Last Supper, 1955, Óleo sobre tela, 166.7 x 267 cm,
Chester Dale Collection, National Gallery of Art, Washington, D.C.





Michelangelo Buonarroti (1475-1564), Pietà Rondanini,1552-64, Mármore, alt. 195 cm, Castello Sforzesco, Milan


Sobre esta peça, de uma contemporaneidade impressionante (alguém que não conheça não dirá que esta escultura é da segunda metade do século XVI...), apenas importa sublinhar que foi a última obra realizada por Miguel Ângelo; sobre o carácter inacabado da peça, pensa-se hoje que o artista quis que fosse assim mesmo... se se reparar, à esquerda da imagem aparece um outro braço, de um primeiro corpo de Cristo ("perfeito"...) que, entretanto, o artista abandonou. "The unity between Mother and Son is even more intimate. It is almost impossible to tell whether it is the Mother supporting the Son, or the Son supporting the Mother, overcome by despair..." pode ler-se num comentário muito apropriado, retirado na net...


Antes da Oração Eucarística, rezámos, ouvindo, o The Last Supper (Jesus Christ Superstar)

Apostles
Look at all my trials and tribulations
Sinking in a gentle pool of wine
Don't disturb me now I can see the answers
Till this evening is this morning life is fine
Always hoped that I'd be an apostle
Knew that I would make it if I tried
Then when we retire we can write the gospels
So they'll still talk about us when we've died

Jesus
The end . . .
Is just a little harder when brought about by friends
For all you care this wine could be my blood
For all you care this bread could be my body
The end!
This is my blood you drink
This is my body you eat
If you would remember me when you eat and drink . . .
I must be mad thinking I'll be remembered - yes
I must be out of my head!
Look at your blank faces! My name will mean nothing
Ten minutes after I'm dead!
One of you denies me
One of you betrays me

Apostles
Not I! Who would? Impossible!

Jesus
Peter will deny me in just a few hours
Three times will deny me - and that's not all I see
One of you here dining, one of my twelve chosen
Will leave to betray me -

Judas
Cut out the dramatics! You know very well who -

Jesus
Why don't you go do it?

Judas
You want me to do it!

Jesus
Hurry they are waiting

Judas
If you knew why I do it . . .

Jesus
I don't care why you do it!

Judas
To think I admired you
For now I despise you

Jesus
You liar - you Judas

Judas
You wanted me to do it!
What if I just stayed here
And ruined your ambition?
Christ you deserve it!

Jesus
Hurry you fool, hurry and go,
Save me your speeches
I don't want to know - Go! Go!

Apostles
Look at all my trials and tribulations
Sinking in a gentle pool of wine
What's that in the bread it's gone to my head
Till this morning is this evening life is fine
Always hoped that I'd be an apostle
Knew that I would make it if I tried
Then when we retire we can write the gospels
So they'll all talk about us when we've died

Judas
You sad pathetic man - see where you've brought us to
Our ideals die around us and all because of you
But the saddest cut of all -
Someone has to turn you in
Like a common criminal, like a wounded animal
A jaded mandarin
A jaded mandarin
Like a jaded, faded, faded, jaded, jaded mandarin

Jesus
Get out! They're waiting! Get out! They're waiting!
Oh! They're waiting for you!

Judas
Everytime I look at you I don't understand
Why you let the things you did get so out of hand
You'd have managed better if you'd had it planned -
Ah --- ah

Apostles
Look at all my trials and tribulations
Sinking in a gentle pool of wine
What's that in the bread it's gone to my head
Till this evening is this morning life is fine
Always hoped that I'd be an apostle
Knew that I would make it if I tried If I tried
Then when we retire we can write the gospels
So they'll still talk about us when we've died

Jesus
Will no-one stay awake with me?
Peter? John? James?
Will none of you wait with me?
Peter? John? James?



Finalmente, valerá a pena juntarmos aqui a crónica de Frei Bento Domingues publicada, hoje, no Público

Um partido do Papa?
O correspondente em Roma do jornal "El País" (03.04.2006) noticiava, com grande destaque, que um sector do centro-direita italiano, apoiado pelo próprio Berlusconi marcou o nascimento de uma força política que, à falta de um nome concreto, poderia chamar-se "Partido do Papa". O presidente do Senado, Marcello Pera, reuniu em Bolonha três mil pessoas para lançar um movimento teoconservador baseado explicitamente nas ideias de Bento XVI e na "defesa dos valores cristãos do Ocidente". Assegurou que a iniciativa não se esgotaria nas actuais eleições legislativas de Itália.
De facto, no discurso de Marcello Pera é dito: "Só um grande homem teve a coragem de olhar de frente esta crise, de a denunciar e de apelar a minorias criativas, como a que, hoje, se reúne aqui, com o fim de que façam o necessário para superar esta crise. Este homem é Bento XVI." É inevitável a pergunta: terá o Papa um partido político ou estaremos perante um partido que deseja Bento XVI ao seu serviço?
Fui verificar todos os documentos disponíveis e não se pode ignorar uma certa ambiguidade, a começar por ver textos do cardeal Ratzinger como se fossem de Bento XVI(1). Na era da globalização dos negócios, facilitada pelas novas tecnologias, é fundamental continuar a ideia de João Paulo II de uma globalização da solidariedade. E se o Papa renunciou ao título de "Patriarca do Ocidente", não me parece que vá agora confundir-se com o ideário e a prática de um partido votado, apenas, à defesa do Ocidente... A Igreja Católica nasceu no Oriente, deixou de ser eurocêntrica e repugna à sua essência identificar-se com uma etnia, com um país ou um continente.
2. Não defendo, no entanto, o afastamento da política como se ela fosse, por natureza, uma actividade suja e imprópria para consumo de gente com valores e preocupações éticas. Desejo, pelo contrário, que haja cada vez mais católicos movidos por preocupações sociais, a intervir na política para que ela procure tornar possível a promoção da justiça e da paz. A política democrática terá tudo a ganhar em tornar-se verdadeiramente cristã. Não como partido confessional, mas para ser, como dizia Robert Kennedy, "uma maneira de nos darmos aos outros". Daí a importância da publicação, em português, de uma obra sobre dez políticos notáveis do século XX, formados na fé católica(2).
3. Por sinal, a mistura da religião e da política, de forma consciente ou inconsciente, vai percorrer a celebração da Semana Santa. Mais ainda, Jesus ficou – contra a sua vontade e para sempre – com um título político-religioso colado ao seu nome. O título Cristo vem do grego "Christos", que, por sua vez, é tradução do hebreu "Mashiah", que significa "ungido", sagrado (os reis judeus eram ungidos). "Messias" é a tradução portuguesa. Dizer que Jesus é o Cristo ou o Messias é rigorosamente a mesma coisa. Mas de que messianismo se trata?
Na próxima semana, os cristãos (os "messiânicos") celebram o desfecho de todos os equívocos que acompanharam a intervenção pública de Jesus. Começou por vencer as tentações messiânicas – tentações do casamento do poder económico, político e religioso – que ele interpretou como satânicas. Visavam todas o poder de dominar a título de caminho de libertação. Quem, depois, o passou a tentar foram aqueles que ele próprio escolhera para levar avante o seu projecto de mudar a mente e o coração dos seus contemporâneos. Este programa subversivo está expresso nas "Bem-aventuranças" (Mt 5 e paralelos).
Jesus chamara-os para um projecto e eles sonhavam, continuamente, com outro. De nada serviu uma reunião de urgência para desfazer todos os equívocos e convencer os Doze Apóstolos de que o Mestre não dispunha de "tachos', para ninguém, nem sequer para aqueles que oferecessem a vida por um mundo onde não houvesse nem dominadores nem dominados, mas apenas irmãos: "Aquele que dentre vós quiser ser grande seja o vosso servidor, e aquele que quiser ser o primeiro dentre vós seja o servo de todos. Pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos" (Mc 10, 23-45).
4. Jesus tinha distinguido a política da religião, tinha manifestado, de forma radical, que o Templo e tudo o que andava à volta dele se tinha transformado num grande negócio, uma ofensa a Deus e aos pobres, uma traição aos profetas.
A entrada de Jesus em Jerusalém, celebrada hoje, Domingo de Ramos, é o paradigma de todas as ilusões que a próxima semana vai desfazer da forma mais cruel. Aclamam-no como o novo rei David, o rei messiânico, a presença visível do braço de Deus que os salva da humilhante ocupação romana. Não viram que a revolução de Jesus, expressa nas "Bem-aventuranças", é mais do que uma mudança de donos do povo. Resultado: Jesus, aquele que queria reunir todos os filhos de Deus dispersos, vai ficar só, no completo abandono entre o céu e a terra. E entregue pelos sumos sacerdotes ao poder ocupante porque viam nele uma ameaça para a religião política do Templo e seus negócios; é denunciado pelos zelotas desesperados diante da insurreição que não acontece; é abandonado pela multidão e pelos discípulos decepcionados porque não vêem naquele galileu a presença vitoriosa de Deus, mas um vencido na cruz da maldição. Restam algumas mulheres e alguns que pressentem que quem perde a vida, pela vida dos outros, inaugura, na própria morte, um mundo novo.
Apetece-me deixar, aqui, um fragmento de um poema de George Steiner: "A morte não é dona das cidades, / Nem eterna a meia-noite / O coração é um subúrbio da esperança / Uma primeira pausa na fronteira."
Precisamos de trabalhar por um mundo sem fronteiras, pela reunião dos povos, pelo abandono da política das grandes potências presentes e futuras. Jesus, na cruz, rompeu com a última das fronteiras: a morte.

(1) Marcello Pera e Joseph Ratzinger, Senza radici. Europa, relativismo, cristianesimo, Islam, Roma, Mondadori 2004.
(2) Gustavo Villapalos / Enrique San Miguel, O Evangelho dos Audases, Gráfica de Coimbra, 2006

domingo, abril 2

V Domingo da Quaresma

O Credo que a seguir apresentamos passará a integrar o Palavras Vivas

PROFISSÃO DE FÉ
(a seguir à Leitura da Paixão)

1. Ele nasceu de uma mulher,
como um filho de homem.
Ele nasceu de uma virgem, como um dom de Deus.

TODOS: Ele é, na verdade, o Filho de Deus!

2. Ele cresceu no seu corpo e no seu espírito, como um filho de homem;
Ele cresceu em sabedoria e em ternura,
como um santo de Deus.

3. Ele comeu e bebeu,
como um filho de homem.
Ele alimentou os outros com a sua vida, como um pão de Deus.

4. Ele saboreou a alegria de amar e ser amado, como um filho de homem.
Ele curou-nos do egoísmo e do medo, como um perdão de Deus.

5. Ele sofreu a sua morte esmagado pelo medo e a solidão,
como um filho de homem.
Ele experimentou a sua morte habitado pelo amor e pela paz,
como um sinal de Deus.

Lopes Morgado

domingo, março 26

IV Domingo da Quaresma

O Evangelho de hoje é o belo discurso de Jesus a Nicodemos, em que Ele afirma Deus amou de tal modo o mundo que entregou o seu Filho, para que todo aquele que acredita tenha n'Ele a vida eterna.
Quisémos enriquecer a celebração com a reprodução da obra de Salvador Dali que juntamos


Salvador Dali (1904-1989), Cristo de São João da Cruz, 1951, Óleo s/ Tela, 204.8 x 115.9cm,
St Mungo Museum Of Religious Life and Art, Glasgow


Juntámos, à imagem, este interessante texto de Pedro Mexia:

O Cristo sem pregos de Dali
Nenhuma reprodução tem a mesma intensidade do original. E às vezes ver ao vivo um quadro que só conhecíamos dos livros é uma experiência única. Aconteceu-me isso agora quando visitei o St Mungo Museum Of Religious Life and Art, em Glasgow, e vi Cristo de São João da Cruz (1951), de Salvador Dali.
Solenemente pendurado alto numa sala central, parece altíssimo, como se estivesse no cimo duma catedral. Sempre admirei imenso este quadro, mas vê-lo ao vivo quase convoca sentimentos religiosos. Não é mais uma imagem de Cristo na cruz este Cristo nem está pregado na cruz. Está suspenso, pairando sobre o madeiro de cabeça caída, braços abertos e pernas unidas. Dali, com enorme ousadia, retira todas as marcas tradicionais da Paixão: não há pregos, não há espinhos, não há sangue. Há um corpo morto que parece vivo pregado sem pregos a uma cruz que voga nos céus, inexplicável como o monolito do 2001 de Kubrick.
O Cristo de São João da Cruz baseia-se numa passagem do poeta e místico espanhol e num desenho que ele mesmo esboçou para acompanhar esse texto. A experiência mística não é estranha a este Cristo de Dali, mesmo na sua ostensiva recusa do cristianismo canónico. Estamos nos antípodas de uma visão dolorista (que teve em Mel Gibson um cultor recente), esse que se interessa sobretudo pela carnificina e pelo sofrimento.
O que encontramos de mais glorioso neste Dali é a inteireza do corpo de Cristo, que vemos de cima, quase de trás, com o peso do mundo nas costas, mas reinando supremo. É um Cristo morto mas já ressuscitado. Cá em baixo, temos um porto e barcos de pesca. A Galileia. Ou Port Lligat, na Catalunha. Não importa. A morte e a ressurreição não são eventos abstractos são consequência e remissão do mundo tal como o conhecemos.
Ao vivo, somos esmagados pelo domínio espectral desta cena, a mais comum e a mais incomum na arte cristã ocidental. Mas também observamos algo que não é perceptível nas reproduções os danos que o quadro sofreu em 1963, quando foi vandalizado. Dois rectângulos na parte inferior da tela mostram as marcas desse ataque, marcas que o restauro não conseguiu esconder por completo. A figura de Cristo, curiosamente, não foi atingida.


Pedro Mexia
Diário de Notícias, 13 de Setembro de 2005


Poderíamos juntar, ainda, mais esta obra de Dali, para nos fazer pensar e reflectir, atendendo a algumas das pistas que nos são abertas pelo texto de Pedro Mexia e, como dissémos, pelo Evangelho:


Salvador Dali (1904-1989), Crucifixão (Corpus Hypercubicus), 1954, Óleo s/ Tela, 195.6 x 124.5 cm,
The Metropolitan Museum of Art, New York


... Mas não enriquecemos a nossa partilha.

segunda-feira, março 20

Apelo

Parece-nos importante demais para ficarmos calados!... Para não dizer!... Para não gritar!...
Devemos rezar!...
Com todos os que quiserem!... Com todos os que acreditarem que a Paz é possível! Porque "Pai e Paz começam com a mesma letra!" (ver post da Celebração de ontem...)
É preciso divulgar (ainda que 18 de Março já tenha passado...)! É preciso acordar!
Aqui fica o

Apelo
Dêem uma oportunidade à Paz!


Três anos passaram sobre a invasão do Iraque e a marcha da democracia, triunfalmente anunciada pela Administração Bush, revela-se um terrível embuste. O Iraque sintetiza bem os danos que as doutrinas neo-conservadoras estão a causar à Humanidade, justificando o expansionismo militar em nome da democracia, torturando em nome dos direitos humanos e usando armas químicas em nome da civilização. Hoje, o Iraque está à beira da guerra civil, e a Paz surge cada dia mais distante.

A invasão do Iraque não trouxe nem a democracia nem a Paz ao Médio Oriente. Israelitas e palestinianos parecem mais longe do que nunca de uma Paz justa e duradoura; nenhum passo democrático se descortina nas monarquias teocráticas do petróleo em relação às mulheres e aos direitos dos imigrantes; no Irão, o regime isola-se e choca o mundo com ambições e revisionismos obscenos; no Egipto, o governo manipula abertamente as eleições pondo a nu a hipocrisia do Ocidente; no Afeganistão reorganizam-se os talibans e o comércio do ópio; de Istambul a Carachi e de Ramallah a Rabat, quem se reforça são os islamistas mais sectários.

Três anos depois da invasão do Iraque, o mundo está mais injusto e muito mais perigoso, à beira da proliferação em cascata de armas nucleares de destruição maciça. A falta às obrigações de desarmamento por parte das potências nucleares é, aliás, um incentivo para que novos actores se tentem armar. As relações internacionais encontram-se reféns desta escalada, do desprezo pelo Direito Internacional, do enfraquecimento das Nações Unidas, e do sacrifício dos Direitos Humanos no altar da «guerra contra o terrorismo».

Cientes de que a resposta à banalização da guerra constitui um indeclinável dever de cidadania, e solidári@s com quant@s, a 18 de Março, por todo o mundo, se vão manifestar pelo fim da ocupação do Iraque, @s signatários

- Exigem a fixação de um calendário de retirada das tropas ocupantes do Iraque, condição de uma solução política que garanta a paz e a unidade do Estado iraquiano.
- Apelam a um acordo político sobre o programa nuclear iraniano, que impeça a sua deriva armamentista, exigindo, simultaneamente, das potências nucleares a responsabilidade de se comprometerem com uma estratégia para o seu próprio desarmamento, como o Tratado de Não Proliferação Nuclear prevê no seu artigo VI.
- Rejeitam a amálgama entre Islão e terrorismo, bem como os revisionismos e incitamentos anti-semitas, que os instigadores do "choque de civilizações", a Oriente e Ocidente, vêm utilizando para preparar as respectivas opiniões públicas, quer para futuras acções militares, quer para novas e mais restritivas políticas quanto à imigração.

Antes que seja de novo tarde demais, mobilizemo-nos! Só a Paz traz a Paz!

Subscrevem
Ana Gomes, Padre Anselmo Borges, Boaventura de Sousa Santos, Domingos Lopes, Elisa Ferreira, Fernando Nobre, Frei Bento Domingues, Isabel Allegro, José Manuel Pureza, Luís Moita, Maria João Seixas, Miguel Portas, Pedro Bacelar Vasconcelos, Viriato Soromenho Marques

domingo, março 19

III Domingo da Quaresma – Dia do Pai

A celebração de hoje foi preparada pelos nossos mais novos...
Começaram por juntar os Pais todos no adro e dedicar-lhes uma canção; dizia-nos assim:

Dia do Pai
Com os dedinhos pintei
e ao meu Pai quero dar
esta charmosa gravata.
Acham que ele irá usar?

Como não tenho a certeza
e pelo sim, pelo não...
à gravata vou juntar
beijos e um chi-coração!

in Música no Jardim de Infância
Letra – Lourdes Custódio; Música – Pedro Falacho, Ambar, 2005


No momento de Kirie escutámos o belíssimo grito de Gilberto Gil e Chico Buarque (1978):

Cálice

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta

Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada para a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa

De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade

Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um facto consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça


A partilha foi enriquecida com a imagem que El Greco pintou sobre o Evangelho de hoje


El Greco, A Purificação do Templo, 1571-76, Óleo s/ Tela, 117 x 150 cm, Institute of Arts, Minneapolis


Lembrámos, ainda, todos os nossos pais (os que simplesmente estiveram hoje ausentes e os que estão já com o Pai e) e rezámos o Pai Nosso cada um com um ramo de oliveira na mão. Foi esse o gesto de Paz que os nossos filhos nos propuseram porque, justificaram, Pai e Paz começam com a mesma letra!
No final, eles tinham mais uma surpresa: ofereceram aos Pais umas pequenas gravatas que eles próprios moldaram e pintaram.

Foi bonito ver a Sala da Luz mais composta!...

Nota: não se esqueçam que podem comentar, dar sugestões, ... clicando na palavra comentários que aparece no fim de cada post!

domingo, março 12

II Domingo da Quaresma


Rafael, A Transfiguração, cerca de 1516, Óleo sobre madeira, 405 x 278 cm, Roma, Pinacoteca Vaticana

domingo, março 5

I Domingo da Quaresma – Trabalho e Voluntariado


Sandro Botticelli, Cena de Sacrifício Judeu e a Tentação de Cristo, cerca de 1481-82, Fresco, 345 x 555 cm,
Roma, Capela Sistina


Este Domingo a nossa celebração teve participações riquíssimas: para além do testemunho que nos foi enviado, por escrito, pela Margarida Gonçalves (voluntária da AFS-Portugal e médica), contámos com a presença da Gabriela Portugal e da Ana Paula Aveleira, que nos vieram falar do projecto Melhorar a Educação de Infância, na Guiné-Bissau (MEI-GB) em que estão envolvidas e para o qual pedem a colaboração da nossa Comunidade; como foi por elas descrito, é urgente a recolha de materiais lúdicos e didácticos para apetrechar os Jardins de Infância que, através da Fundação Educação e Desenvolvimento, o referido projecto apoia, em Bissau.
Juntamos aqui a imagem do "cartaz" e a carta que elas nos dirigiram:


Ex.mos Senhores
Comunidade de Acolhimento João XXIII
Rua dos Combatentes
3030-181 Coimbra


Assunto: Projecto "Melhorar a Educação de Infância, na Guiné-Bissau" (MEI-GB) – recolha de materiais lúdicos e didácticos

Data: 2006-03-07

A Universidade de Aveiro celebrou um Protocolo de Cooperação com a Fundação Educação e Desenvolvimento, da Guiné-Bissau, para a concretização de acções nos domínios da Educação de Infância e Formação de Recursos Humanos para a Educação.
No âmbito desse Protocolo, desenvolveu-se o projecto "Melhorar a Educação de Infância na Guiné-Bissau" enquadrado nas actividades do Departamento de Ciências da Educação e respectiva Unidade de Investigação, tendo-se realizado várias iniciativas de trabalho com vista a formar, apoiar e acompanhar os educadores do terreno. Neste mesmo contexto, pretende-se levar a cabo um movimento de sensibilização e de recolha de materiais lúdicos e didácticos para apetrechamento de um centro de recursos educativos sediado nas instalações da Fundação Educação e Desenvolvimento, em Bissau.

Nesse sentido, solicitamos a divulgação e apoio à iniciativa, no espaço que vos aprouver, sugerindo como elemento de contacto com a organização do movimento a Dra. Maria do Carmo Lopes.

Ao vosso dispor, apresentamos os nossos melhores cumprimentos.

Gabriela Portugal*
(Responsável p/ Projecto MEI-GB)

Gabriela Portugal: 234 370625 ; gabip@dce.ua.pt



(clicar para aumentar)


Quanto ao testemunho que nos foi enviado, ele também aqui fica para nossa reflexão:

Antes de tudo gostava de vos dizer que nunca senti que a minha participação associativa e de voluntariado estivesse ligada ao facto de não ser crente. Penso que o "não acreditar" não condicionou ou modelou essa participação (será que assim é? – uma questão interessante que fica para mim, a partir da vossa sugestão).

Em traços resumidos, o meu percurso de voluntariado começou aos 17 anos quando participei num programa de intercâmbio (AFS), vivendo 11 meses numa família de acolhimento em Wilmington, Delaware, Estados Unidos da América. Foi um ano emocionalmente intenso, cheio de inquietações e descobertas, um ano difícil mas com muitas alegrias.

Quando regressei a Portugal senti uma grande vontade de partilhar a minha experiência e, de alguma forma, contribuir para que outros a pudessem ter. Para tal, envolvi-me na associação juvenil Intercultura AFS Portugal. Mais do que essa vontade, havia ainda necessidade quase absoluta de estar com os amigos, que tinha entretanto feito e que tinham vivido essa mesma experiência no estrangeiro.

No fundo, o motivo que me levou ao voluntariado foi o afecto, a vontade de manter as relações, de partilhar as angústias, as dúvidas, as conquistas e as readaptações de quem vive uma experiência de imersão cultural.

Do afecto, sinto que fui amadurecendo para a participação política: reflectir as questões da interculturalidade, não só no abstracto, mas trazê-las para o quotidiano – da minha vida, da associação, de outros projectos em que, entretanto, me envolvi...

Aquilo que vivi ao longo dos anos como voluntária da Intercultura foi fundamental para o meu percurso pessoal e profissional. Como já disse, parti da experiência pessoal, comecei pelo incentivo do afecto, cresci então para a reflexão, formação e participação associativa, tentando trazer as questões das minorias, do viver com o diferente, da interculturalidade para a ordem do dia. Mas, sobretudo, tentando desenvolver projectos na comunidade, que modificassem o nosso dia-a-dia, "metendo um pauzinho na engrenagem".

É verdade que esta participação me tirou horas de estudo, de diversão, de namoro, de estar com a família e amigos, mas também me trouxe inúmeras horas de alegria, de novos afectos e relações, de discussão e de "aprenderes", que sinto que aplico hoje, diariamente, na minha profissão e no meu "estar". Não só no que diz respeito às experiências e aprendizagens interculturais propriamente ditas, mas também ao aprender a participar em associação, em coordenar projectos e actividades, no fundo, em actuar na Cidade.

Uma das experiências mais gratificantes em que participei na Intercultura, a título de exemplo do que enunciei antes, foi um projecto que envolvia um grupo de jovens de um bairro social dos arredores de Lisboa, quase todos filhos de imigrantes cabo-verdianos, em conjunto com um outro grupo de jovens irlandeses, de um bairro social de Dublin. Este projecto durou quase dois anos. Ao longo deste tempo, semanalmente, os jovens foram trabalhando questões de educação, cidadania, tolerância, racismo e xenofobia, ou seja, como é ser uma minoria (étnica e/ou social) na cidade. Em dois momentos, os jovens viveram um intercâmbio, com acolhimento nas próprias famílias e partilha de experiências e saberes.

Este projecto foi, depois, ponto de partida para outro, que se prolongou por um ano e meio, na área da saúde comunitária (prevenção de doenças sexualmente transmissíveis) no mesmo bairro.

Isto também para dizer que as experiências se vão entrecruzando e que se criam pontes entre os vários universos – pesssoal, de voluntariado, académico e profissional. Mais uma vez percebo que o sempre me motivou e marcou foram as relações que fui criando, com outros voluntários, jovens dos vários projectos, com colegas da faculdade.

Nos últimos dois anos, a minha vida profissional não me permitiu uma participação maior em espaços associativos – e não me consegui organizar para isso. Sinto falta de estar com outros, num espaço que me ajude a reflectir a minha condição de cidadania.

Espero que, mesmo longe e por escrito, sem possibilidade de partilhar um pouco mais das minhas experiências, isto sirva para de algum modo lançar o vosso debate.

Margarida Gonçalves
Lisboa, Março 2006



Nota: como já deu para reparar, estamos a aprender a inserir imagens e outros materiais no nosso blog... esta já está, graças ao Miguel Marujo, que a partir de Lisboa nos ensinou, via telefone. Fica aquele abraço!

domingo, fevereiro 12

Trabalho e Ambiente

Nesta série de celebrações que dedicamos à reflexão sobre diversas questões do trabalho, propusémos ao José António Raimundo que pensasse sobre o Trabalho e o Ambiente. O texto que ele nos trouxe, e que podemos ler a seguir, foi originalmente publicado em 2004 mas continua plenamente actual. Aqui fica:

Pensar Ambiente é Mudar de Rumo
É lícito defender a ideia de que a radicalidade das preocupações ambientais está sempre relacionada com o distanciamento, no tempo e no espaço, que conseguimos ter em relação à realidade, em relação ao mundo, em relação à vida.
O mesmo acontece com o património histórico, artístico ou arquitectónico, perante o qual o gesto da utilização do dia a dia seria irrelevante se o seu horizonte de vida se situasse em 50 ou 100 anos. No entanto, uma vez que se almeja a eternidade, cada acto de deterioração, por mais pequeno que seja, desde que não tenha uma resposta de auto-regeneração, adquire o carácter de drama histórico. Algum dia, alguma geração deixará de usufruir deste bem, em consequência da repetição de actos banais, até frequentemente cuidadosos, de gerações passadas.
A uma universidade exige-se esta capacidade de compreender os extremos - do instante à eternidade, da mais pequena partícula ao Universo, do mais etéreo fenómeno ao mais rudemente materializável - e conseguir, em simultâneo, contribuir para a melhoria da vida em momentos reais, quase vulgares quando observados com uma curta visão histórica.
É pois, deste modo, que desafios aparentemente menores podem ser profundamente radicais numa perspectiva cósmica. Estão nessa situação as iniciativas básicas em que assentam as políticas ambientais de diversas universidades europeias: a gestão da energia e do consumo de água, a política de transportes, mobilidade e acessibilidade, a política de consumíveis reciclados e recicláveis, o controlo das emissões gasosas e a gestão de resíduos.
Naturalmente que, em simultâneo, e numa outra esfera de preocupações, estão todas as actividades de ensino, investigação e prestação de serviços especializados nos mais diversos sub-domínios das ciências ambientais e, mais recentemente, na área do desenvolvimento sustentável.
No domínio dos princípios e dos objectivos gerais não há desacordos significativos nesta matéria e não custa aceitar que, em Coimbra, a Comunidade Universitária conhece e subscreve estas preocupações básicas. Já no domínio da concretização o percurso é mais acidentado, quer pelas contradições do sistema, quer pelo custo do acto ambiental, quer, ainda, pela sensação de perda, quando é necessário renunciar à solução mais imediata, do papel sempre novo, sempre branco, ou do ar condicionado à medida da sensação de conforto individual. A concretização de desafios tão básicos exige maior partilha de informação, maior valorização social e maior visibilidade institucional.
Na promoção de novos edifícios e equipamentos, a bandeira é "o uso racional da energia", acreditando-se que este, quando levado às últimas consequências e aliado a uma "arquitectura de excelência", é garantia suficiente para que fiquem salvaguardas as maiores preocupações ambientais. Acredita-se, assim, que a preocupação energética não esquecerá a minimização do "custo do ciclo de vida", entendido em toda a sua complexidade e extensão, com início na extracção e transformação de matérias primas, percorrendo o longo ciclo de construção, utilização e desactivação, terminando apenas com o retorno à condição elementar de matéria, no mesmo lado da espiral onde assumimos ter iniciado o processo. Em complemento, é preocupação crescente a garantia da durabilidade dos edifícios e da exequibilidade das acções de manutenção, bem como a utilização racional do solo, privilegiando a alternância de zonas construídas com espaços livres, verdes e permeáveis.
Na reabilitação de edifícios acrescenta-se a preocupação da gestão dos resíduos de construção, cuja selecção começa a ser feita de forma criteriosa, potenciando a sua reciclagem e reutilização, diminuindo as exigências de aterro e reduzindo o risco de contaminação generalizada a partir de pequenas quantidades de resíduos perigosos.
Apesar de não ser possível ignorar integralmente as limitações técnicas e financeiras destas opções, é absolutamente iniludível que os maiores constrangimentos são de ordem cultural. A opção pela promoção de uma construção sustentável implica exigir muito dos projectistas, implica resistir à tentação de avaliar as soluções por mera intuição ou empatia com o modo do traço ou da luz, com a moda ou crédito da tendência que se adivinha, com o arrojo ou a ingenuidade da solução.
Este novo desafio é um gume afiado sobre os arquitectos, sobre os engenheiros e sobre os projectistas em geral. Quem não fizer a conversão radical que lhe permita perceber os constrangimentos de um futuro que não é só seu, e sobre o qual tem direitos limitados mas deveres avassaladores, pode em breve desejar que as suas obras não perdurem para que não fiquem como testemunho futuro duma barbárie de rosto civilizado.
Pensar "ambiente" é sempre "mudar de rumo" porque as nossas metas estão e estarão sempre aquém do desejável, limitadas pela condição da nossa temporalidade. Por isso, o desafio desta breve partilha não é o das grandes acções, que a outro tempo se abordarão, mas sim o das grandes atitudes que o ambiente aguarda sofregamente e que a nossa cultura tarda em aceitar.

José A. Raimundo Mendes da Silva
in Rua Larga – Revista da Reitoria da Universidade de Coimbra, Coimbra, Universidade de Coimbra, trimestral, nº 6 – Outubro 2004
http://www.uc.pt/sdp/rualarga98/subseccoes/detalhe.php?PnID=246

domingo, fevereiro 5

Trabalho e Ética

Na celebração de hoje demos início a um conjunto de reflexões temáticas sobre o Trabalho. Para além disso, pedimos a dois membros da nossa Comunidade que partilhassem connosco o que é o seu trabalho concreto, as angústias e as esperanças, as dificuldades e os desafios que vão sentindo no quotidiano.
A reflexão de hoje centra-se no Trabalho e a Ética e o João Maria André (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra) escreveu para nós o texto que publicamos a seguir; a Carminho e o Zé Pureza deram-nos o seu testemunho, que também publicamos.



Para uma (Est)Ética do Trabalho

"Trabalho" é uma palavra que, na linguagem quotidiana, emerge na sua riqueza semântica nas mais diversas situações: "Que trabalho tão difícil!", Foi uma carga de trabalhos!", "Entrou em trabalho de parto", "Deu-me muito trabalho!", "É um trabalho criador"... Os exemplos poderiam repetir-se e, em todos eles, encontraríamos pontos de um arco que se desenha na tensão entre a sua origem etimológica ("tripalium" – instrumento de tortura formado por três paus) e o seu alcance antropológico, que remete para as formas de realização do homem como ser finito, carente e inconcluso. Se é esta dimensão antropológica que reclama uma ética do trabalho, são os seus contornos dolorosos que impõem, por sua vez, a inscrição dessa ética no pathos da existência.
Se o homem é um dos seres que de modo mais desamparado vem ao mundo, o trabalho é condição tanto da sua sobrevivência (nos limites da pura condição biológica), como da sua vivência numa realização em que se supera a satisfação das simples necessidades básicas e materiais. Neste sentido, o trabalho é a forma, mais simples mas simultaneamente mais abrangente, de realização do humano, tanto no plano da imanência (por um lado, na interacção com o meio, o ambiente, as circunstâncias, a natureza, e, por outro lado, na interacção com os outros que nos rodeiam ou que connosco interagem à distância), como no plano da transcendência (quer ao nível da transcendência religiosa a que muitas crenças humanas dão o nome de Deus, quer ao nível da transcendência estética, mística ou utópica, desde o fundo misterioso do Ser à humanidade redimida dos projectos libertadores).
É pelo trabalho que se dá a mediação entre o homem e a natureza. Marx reconheceu-o quando, nos seus Manuscritos, identificou no trabalho alienado uma das formas supremas de desrealização do humano. O que significa que uma ética do trabalho é, antes de mais, uma ética da desalienação, ou seja, uma ética que é simultaneamente libertadora e reapropriadora: libertadora da prática do trabalho como um "opus alienum", libertadora da relação com as coisas pelo seu carácter de mercadoria que reconfigura também o trabalho como mercadoria, e libertadora da dimensão escravizante do próprio trabalho. Mas, neste sentido, e consequentemente, uma ética do trabalho é também uma ética da reapropriação: o homem deve eticamente lutar por uma relação humanizante com os objectos em que se materializa a sua pulsão de vida e o seu esforço de existir e com o processo dinâmico dessa interacção que tem o nome de trabalho.
Esta ética da libertação e da reapropriação não deixará de ter implicações na relação que o homem mantém com aquilo que se pode considerar o prolongamento do seu corpo orgâ-nico e inorgânico: a natureza. Por esse motivo, uma ética do trabalho é também uma ética da natureza. E como não há ética da natureza sem a dimensão do belo e da harmonia, não pode haver uma ética do trabalho e da natureza sem uma estética da natureza: o trabalho reconfigura-se eticamente pelo "bom", sendo o bem o que funda a sua estru-turação, organização e efectivação. Mas o trabalho deixa-se também esteticamente pola-rizar pelo belo, não podendo haver um trabalho eticamente bom que não reconduza o homem à pro-dução e coprodução da beleza e à sua contemplação. Se, como diziam os antigos e os medie-vais, tudo o que é a partir do bom e do belo, também tudo o que é ao bom e ao belo retorna.
Mas é igualmente pelo trabalho que se dá a mediação entre o homem e os outros homens. Tudo começa pelo trabalho de parto: na aparente imobilidade da mãe se concentra o esforço para dar existência autónoma ao que fazia parte integrante da sua existência. O trabalho de parto é a situação prototípica de uma ética do trabalho assumida, antes de mais nada, como uma ética do cuidado. Trabalhar é cuidar dos outros e com os outros, na gratuidade plena do gesto, na oferta e no dom de si, sem esperar recompensa ou lucros e sem indagar da sua utilidade mercantil. Mas essa ética do cuidado é também uma estética do cuidado. Não é por acaso que a expressão "trabalho de parto" encontra uma das suas mais eloquentes traduções na expressão "dar à luz". E é também significativo que, desde Platão, uma das linhas mais marcantes da estética ocidental é justamente a estética da luz. E se a situação de parto é uma das mais originais situações de trabalho, pode dizer-se, literalmente, que trabalhar é dar à luz, dar à luz com cuidado, cuidar de dar à luz e cuidar de quem ou de quê se dá à luz. O que implica, ao lado do cuidado, a inscrição da harmonia em todas as situações e relações de trabalho que se estabelecem depois do primeiro trabalho, que é o trabalho de parto. Estar eticamente numa relação de trabalho é estar eticamente numa relação de harmonia com os outros e numa relação de equilíbrio com o seu mundo. Estar eticamente no trabalho é, no mais fundo desta expressão, habitá-lo, morar nele e fazer com ele a nossa morada (ou não significasse a palavra grega ethos habitação ou morada). Uma ética do trabalho é uma ética do cuidado, uma ética dos afectos e uma ética da solidariedade, que se funda no Princípio-responsabilidade (Hans Jonas).
Finalmente, o trabalho é também a forma como o homem se transcende a si próprio: naquilo que cria através do trabalho prolonga-se e preserva-se o homem no mundo, na memória do mundo e na memória dos homens. Mas este processo de transcendência é um processo que nos abala na nossa individualidade egóide e auto-suficiente e nos projecta no mistério do ser que nos ultrapassa. Os místicos chamaram-lhe nada, os santos chamaram-lhe deus, os metafísicos chamaram-lhe Grund, Urgrund ou fundamento, e os artistas chamaram-lhe fonte e plenitude de luz e de beleza. E é aqui que reside o carácter paradoxal do trabalho: ao mesmo tempo que é a nossa afirmação, é também a nossa desafirmação, porque é a nossa projecção no mundo do ser e o reconhecimento da nossa finitude, ou seja, do nosso não-ser. Neste sentido, a ética do trabalho é uma ética da ligação com os outros e com o mundo que somos e sabemos, e com os outros, o Outro, o mundo que não somos nem sabemos: a ética do trabalho é, assim, uma ética da re-ligação, ou seja, desemboca numa dimensão religiosa que, tantas vezes, se funde com a dimensão estética. "Se não sabemos do mundo senão o que dele tivermos feito" (Jorge de Sena), o que nele e dele fazemos mais não é do que o mar profundo e infinito do nosso não saber, que é o saber e o sabor dos nossos sentidos e que é também o sentido do nosso saber. E é curioso que tenha sido para falar desse saber e desse sabor dos sentidos que os modernos criaram a palavra estética. O que nos reforça na nossa convicção de que uma ética do trabalho é uma estética do trabalho: a fruição do seu gozo na desalienação do mundo (libertação do mundo), na desalienação dos outros (libertação dos homens), e na desalienação dos sentidos últimos da nossa existência (libertação suprema do bem a que aspiramos e por que esperamos). Uma ética do trabalho não é apenas uma ética fundada no Princípio-responsabilidade. É também um (est)ética da esperança. Fundada no Princípio-esperança (Ernst Bloch). É uma (est)ética da libertação.

Coimbra, Fevereiro de 2006
João Maria André



Testemunhos

Sinto-me privilegiado por ter o trabalho que tenho. Ensino(-me) a ler e a interpretar a realidade do mundo. Ter como profissão uma paixão é isso mesmo: um privilégio. Eu faço o que gosto. E cada vez gosto mais do que faço.
Mas o meu trabalho é muito difícil. Sou capaz de identificar quatro fontes de dificuldade. A primeira é a da complexidade. Trabalho com escalas mundiais e decifro sinais de guerra e de paz. Nestas coisas, quanto mais se abre o campo de análise mais a complexidade invade o nosso olhar e nos impede o uso de receitas redutoras e cómodas. Daqui advém um segundo factor de dificuldade: a exigência de rigor. Ter que identificar as boas fontes de informação, construir e desconstruir narrativas sobre a realidade, aproximarmo-nos o mais possível da exactidão, encontrar serenidade para fazer tudo isto com elevado profssionalismo e profundidade intelectual é uma tarefa de gigante. A terceira dificuldade é não abdicar de casar conhecimento rigoroso com transformação da realidade. Conheço para mudar, não para conservar. E isso faz-me correr o risco do viés, da paixão, do manifesto. Por fim, a dificuldade da sedução. Ensinar é cativar, é tornar atraente o trabalho de ler e de pensar. Há artes cénicas que quem ensina não pode ignorar.
Eu sou um privilegiado por ter esta profissão. Mas estar à altura deste privilégio é muito difícil.

José Manuel Pureza