domingo, março 29

«Se o grão de trigo, lançado à terra, morrer, dará muito fruto» – Domingo V da Quaresma

Foi o José Vieira que, hoje, nos ajudou na reflexão. Valeu a pena...

"COMEÇAR DE NOVO

O TPC de hoje que o professor José Manuel Pureza me encomendou tem um belo título: Começar de Novo. A primeira coisa, que imediatamente me ocorreu, foi cantar Ivan Lins…

Começar de novo e contar comigo
Vai valer a pena ter amanhecido
Ter me rebelado, ter me debatido
Ter me machucado, ter sobrevivido
Ter virado a mesa, ter me conhecido
Ter virado o barco, ter me socorrido
Começar de novo e contar comigo
Vai valer a pena ter amanhecido…

Depois comecei a pensar que sendo eu professor de Filosofia, se calhar, era suposto que eu falasse da condição humana, porque começar de novo é no fundo o tema do Mito de Sísifo. Este Sísifo é um herói da mitologia grega, que os deuses condenaram a repetir sempre a mesma tarefa de empurrar uma pedra do sopé de uma montanha até ao topo, só para vê-la rolar para baixo novamente. Albert Camus escreveu que este mito trágico pode ser um resumo do absurdo da condição humana: “ Se o mito é trágico é porque o homem seu protagonista tem consciência de que a esperança de atingir o propósito do seu trabalho é frustrada. Muitos trabalhadores do nosso tempo trabalham nas mesmas condições e o seu destino não é menos absurdo.”
Mas algumas perguntas se impõem: O ser humano tem ou não a possibilidade de modificar esta rotina absurda? Pode ou não lançar para longe o rochedo da miséria, da ignorância e da inconsciência? Pode ou não deixar de repetir a rotina dos dias, das semanas, dos meses e dos anos? Pode ou não alterar uma vida repetitiva e monótona para construir o próprio destino?
Responder negativamente a estas interrogações implicaria aceitar o fatalismo rotineiro que nunca nos permitirá modificar a nossa vida, o nosso presente e o nosso futuro.

Por isso, enquanto cristãos, homens e mulheres de fé, temos de recusar este fatalismo e temos antes de aceitar o desafio do Poeta (Miguel Torga):

Recomeça….
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças…

Creio que este é de facto um belo desafio. Creio que é mesmo o desafio que se nos impõe com uma urgência urgente porque enquanto não alcançarmos as metas desejadas não podemos parar. Contentar-nos só com metade quando podemos ter tudo é preguiça. Nunca nos podemos dar por saciados por mais desilusões que possamos colher neste pomar de aventuras da nossa vida. Pedem-nos que sejamos fermento que leveda a massa. Que sejamos sal. Então sejamos sal e fermento. Não sei se vamos mudar o mundo. Mas sei que temos de mudar o nosso mundo. Sei que temos de começar de novo todos os dias porque vai valer a pena.

 Ivan Lins - Começar de Novo

domingo, março 22

"Se eu me não lembrar de ti, Jerusalém, fique presa a minha língua" - Domingo IV da Quaresma

Que belo mote para a nossa reflexão, ajudada pelo texto de D. Pedro Casaldáliga:

"Os sonhos de um grande profeta"
O cardeal Carlo Maria Martini, jesuíta, biblista, arcebispo que foi de Milão e colega meu de Parkinson, um eclesiástico de diálogo, de acolhimento, de renovação a fundo, tanto na Igreja como na Sociedade, em seu livro de confidências e confissões Colóquios nocturnos em Jerusalém, declara: «Antes eu tinha sonhos acerca da Igreja. Sonhava com uma Igreja que percorre o seu caminho na pobreza e na humildade, que não depende dos poderes deste mundo; na qual se extirpasse de raiz a desconfiança; que desse espaço às pessoas que pensem com mais amplidão; que desse ânimo, especialmente, àqueles que se sentem pequenos ou pecadores. Sonhava com uma Igreja jovem. Hoje não tenho mais esses sonhos». Esta afirmação categórica de Martini não é, não pode ser, uma declaração de fracasso, de decepção eclesial, de renúncia à utopia. Martini continua sonhando nada menos que com o Reino, que é a utopia das utopias, um sonho do próprio Deus. Ele e milhões de pessoas na Igreja sonham com a «outra Igreja possível», ao serviço do «outro Mundo possível». E o cardeal Martini é uma boa testemunha e um bom guia nesse caminho alternativo; tem-no demonstrado.
Tanto na Igreja (na Igreja de Jesus que são várias Igrejas) como na Sociedade (que são vários povos, várias culturas, vários processos históricos) hoje mais do que nunca devemos radicalizar na procura da justiça e da paz, da dignidade humana e da igualdade na alteridade, do verdadeiro progresso dentro da ecologia profunda. E, como diz Bobbio, é preciso instalar a liberdade no coração mesmo da igualdade»; hoje com uma visão e uma acção estritamente mundiais. É a outra globalização, a que reivindicam os nossos pensadores, nossos os militantes, os nossos mártires, os nossos famintos...
A grande crise económica actual é uma crise global de Humanidade que não se resolverá com nenhum tipo de capitalismo, porque não é possível um capitalismo humano; o capitalismo continua a ser homicida, ecocida, suicida. Não há modo de servir simultaneamente ao deus dos bancos e ao Deus da Vida, conjugar a prepotência e a usura com a convivência fraterna. A questão axial é: Trata-se de salvar o Sistema ou trata-se de salvar a Humanidade? As grandes crises, grandes oportunidades. No idioma chinês a palavra crise desdobra-se em dois sentidos: crise como perigo, crise como oportunidade.
Na campanha eleitoral dos EUA apelou-se repetidamente «ao sonho de Luther King», querendo actualizar esse sonho; e, por ocasião dos 50 anos da convocatória do Vaticano II, tem-se recordado, com saudade, o Pacto das Catacumbas da Igreja serva e pobre. No dia 16 de Novembro de 1965, poucos dias antes da clausura do Concílio, 40 Padres Conciliares celebraram a Eucaristia nas catacumbas romanas de Domitila, e firmaram o Pacto das Catacumbas. Dom Helder Câmara, cujo centenário de nascimento estamos a celebrar neste ano, era um dos principais animadores do grupo profético. O Pacto em seus 13 pontos insiste na pobreza evangélica da Igreja, sem títulos honoríficos, sem privilégios e sem ostentações mundanas; insiste na colegialidade e na co-responsabilidade da Igreja como Povo de Deus e na abertura ao mundo e no acolhimento fraterno.
Hoje, nós, na convulsa conjuntura actual, professamos a vigência de muitos sonhos, sociais, políticos, eclesiais, aos quais de nenhum modo podemos renunciar. Seguimos rechaçando o capitalismo neoliberal, o neo-imperialismo do dinheiro e das armas, uma economia de mercado e de consumismo que sepulta na pobreza e na fome uma grande maioria da Humanidade. E continuaremos a rechaçar toda discriminação por motivos de género, de cultura, de raça. Exigimos a transformação substancial dos organismos mundiais (a ONU, o FMI, o Banco Mundial, a OMC...). Comprometemo-nos a viver uma «ecologia profunda e integral», propiciando uma política agrária-agrícola alternativa à política depredadora do latifúndio, da monocultura, do agrotóxico. Participaremos nas transformações sociais, políticas e económicas, para uma democracia de «alta intensidade».
Como Igreja, queremos viver, à luz do Evangelho, a paixão obsessiva de Jesus, o Reino. Queremos ser Igreja da opção pelos pobres, comunidade ecuménica e macroecuménica também. O Deus em quem acreditamos, o Abbá de Jesus, não pode ser de jeito nenhum causa de fundamentalismos, de exclusões, de inclusões absorventes, de orgulho proselitista. Chega de fazermos do nosso Deus o único Deus verdadeiro. «Meu Deus, deixa-me ver a Deus?». Com todo respeito pela opinião do Papa Bento XVI, o diálogo inter-religioso não somente é possível, é necessário. Faremos da co-responsabilidade eclesial a expressão legítima de uma fé adulta. Exigiremos, corrigindo séculos de descriminação, a plena igualdade da mulher na vida e nos ministérios da Igreja. Estimularemos a liberdade e o serviço reconhecido dos nossos teólogos e teólogas. A Igreja será uma rede de comunidades orantes, servidoras, proféticas, testemunhas da Boa Nova: uma Boa Nova de vida, de liberdade, de comunhão feliz. Uma Boa Nova de misericórdia, de acolhimento, de perdão, de ternura, samaritana à beira de todos os caminhos da Humanidade. Continuaremos a fazer com que se viva na prática eclesial a advertência de Jesus: a «Não será assim entre vocês» (Mt 21,26). Seja a autoridade serviço. O Vaticano deixará de ser Estado e o Papa não será mais chefe de Estado. A Cúria terá de ser profundamente reformada e as Igrejas locais cultivarão a inculturação do Evangelho e a ministerialidade compartilhada. A Igreja comprometer-se-á sem medo, sem evasões, com as grandes causas da justiça e da paz, dos direitos humanos e da igualdade reconhecida de todos os povos. Será profecia de anúncio, de denúncia, de consolação. A política vivida por todos os cristãos e cristãs será a «expressão mais alta do amor fraterno» (Pio XI).
Não renunciamos a estes sonhos mesmo quando possam parecer quimera. «Ainda cantamos, ainda sonhamos». Nós atemo-nos à palavra de Jesus: «Fogo vim trazer à Terra; e que mais posso querer senão que arda» (Lc 12,49). Com humildade e coragem, no seguimento de Jesus, tentaremos viver estes sonhos no dia-a-dia das nossas vidas. Continuará a haver crises e a Humanidade, com as suas religiões e as suas Igrejas, seguirá sendo santa e pecadora. Mas não faltarão as campanhas universais de solidariedade, os Foros Sociais, as Vias Campesinas, os movimentos populares, as conquistas dos Sem Terra, os pactos ecológicos, os caminhos alternativos da Nossa América, as Comunidades Eclesiais de Base, os processos de reconciliação entre o Shalom e o Salam, as vitórias indígenas e afro e, em todo o caso, mais uma vez e sempre, «eu me atenho ao dito: a Esperança».
Cada um e cada uma a quem possa chegar esta circular fraterna, em comunhão de fé religiosa ou de paixão humana, receba um abraço do tamanho destes sonhos. Os velhos ainda têm visões, diz a Bíblia (Jl 3,1). Li nestes dias esta definição: «A velhice é uma espécie de pós-guerra»; não exactamente de claudicação. O Parkinson é apenas um percalço do caminho e seguimos Reino adentro.
Pedro Casaldáliga, Circular 2009. [com adaptações] (in: http://www.combonianosbne.org/node/526)

domingo, março 15

"Senhor, Vós tendes palavras de vida eterna" – Domingo III da Quaresma

Esta semana, ajudados pelo José Pureza, rezámos também...

Pelo Luís, pelo João, por nós
Estranha coisa esta de a morte nos trazer a vida de volta quando dela pouco quisemos saber no tempo em que com ela nos cruzámos. Foi assim, para muitos de nós, com o Luís. Foi quando ele morreu, subitamente, que procurámos resgatar o melhor da sua vida para entregar ao Miguel e à Ana como a única herança que valia a pena herdar. Na dor da Nani, a Comunidade aprendeu a ver a presença ausente da vida do Luís. Acho que nunca nos resignámos a esse lugar vazio. Nestes quatro anos, acompanhámos a Nani não só por amizade e por emoção mas também por estarmos com ela irmanad@s na perplexidade perante o mistério da perda. Hoje vimos aqui rezar para que esta pergunta que está connosco há quatro anos não deixe de nos desassossegar. E para que a possamos refazer, a olhar para a esperança, em conjunto com a Nani, o Miguel e a Ana, a tempo inteiro.
Foi também a morte do João Mesquita que trouxe de volta a sua vida, esta semana, para @s seus/suas muit@s amig@s. O João teve uma vida vertical e limpa, feita de cumplicidades muito densas. Foi uma vida muito difícil, por ser exigente de princípios e intransigente de recusas. Esta semana. @s seus/suas muit@s amig@s olharam para trás, lá para onde o João esteve. E sentiram tod@s esse mistério de uma vida que marca vidas a tomar corpo. O João não acreditava em Deus. Mas eu acho que ele se limitaria a cofiar o bigode e a acender mais um cigarro e, com calma e uma grande bonomia, escutaria a oração que eu hoje aqui faço para dar graças a Deus pelo seu testemunho de vida e para lhe pedir carinho e alento para a Clara e a Joaninha.

No final, o Zé Carlos Pina partilhou connosco um cântico retirado do disco Keur Moussa: Sacred Chant & African Rhythms from Senegal*, interpretado pelos Monks of Keur Moussa Abbey (Senegal). A música é o "Cântico da criação", inspirada em melodia popular da Mauritânia e texto adaptado de: Cântico dos três jovens (Daniel, 3:57-ss):

«Os três jovens, então, não tiveram senão uma só voz para louvar, glorificar e bendizer a Deus, na fornalha, com este cântico:

Todas as obras do Senhor,
louvai o Senhor
E vós, anjos do Senhor,
louvai o Senhor
E vós, seres humanos,
louvai o Senhor
E vós, filhos de Israel
louvai o Senhor
E vós, sacerdotes do Senhor,
louvai o Senhor
E vós, servos do Senhor,
louvai o Senhor
E vós, espíritos e almas dos justos,
louvai o Senhor
E vós, santos e humildes de coração,
louvai o Senhor
E vós, todas as criaturas do universo,
louvai o Senhor.»

Monks of Keur Moussa Abbey - Tya Mom Ndam Gu Rey

domingo, março 8

Confiança

É a palavra-chave de hoje.

Abraão não terá entendido o pedido do Senhor, mas confiou! E quando tudo parecia perder-se, ir esvair-se, o Senhor respondeu à confiança de Abraão com a Vida!
Aos discípulos parecia que era muito melhor permanecer no cimo do Monte e por isso queriam montar tendas; mas confiaram no Senhor Jesus e nada contaram até que o Senhor ressuscitasse dos mortos!

Confiança é a palavra que sustenta a Comunidade de Taizé!
E foi com um dos grupos de Coimbra ligado àquela Comunidade (o de São José) que hoje aprendemos a rezar: com a música, bela, que preenche o silêncio; e com os momentos de silêncio interpelador, profundo, pacificador...
Aqui fica um bocado do que eles partilharam connosco (todos os temas foram retirados de CD's editados pela Comunidade de Taizé).

O Cântico de Entrada foi, originalmente, escrito para o Encontro Internacional de Lisboa, em português.
Taizé - Cantarei ao Senhor


Momento do Perdão.
Taizé - Kyrie eleison 19


No final da Celebração da Palavra, cantámos:
Taizé - Jesus le Christ


Já à Comunhão:
Taizé - Behüte Mich, Gott (Tu és o meu Deus)


No final, ainda rezámos:
Taizé - Bendizei o Senhor (Bénissez le Seigneur)