domingo, maio 7

Dia da Mãe

Celebrámos a Mãe! Todas as Mães! A de cada um!
Quisémos cantar, rezar, escutar o silêncio, saborear gestos e palavras, poemas e imagens, oferecidos por todos e cada um à sua Mãe! E à Nossa Mãe!
Começámos por fazer a Festa do Acolhimento!... cantada por Pavarotti!


Mamma
(C. A. Bixio, B. Cherubini)
Mamma, son tanto felice
perchè ritorno da te.
La mia canzone ti dice
che'è il più bel giorno per me!
Mamma, son tanto telice...
Viver lontano, perchè?

Mamma...
Solo per te la mia canzone vola!
Mamma...
Sarai con me, tu non sarai piu sola!
Quanto ti voglio bene!
Queste parole d'amore,
che ti sospira il mio cuore
forse non s'usano più...
Mamma...
Ma la canzone mia più bella sei tu!
Sei, tu, la vita,
E per la vita non ti lascio mai più!

Sento la mano tua stanca
cerca i miei riccioli d'or.
Sento... e la voce ti manca
la ninna nanna d'allor.
Oggi la testa tua bianca
io voglio stringere al cuor!

Mamma...
Solo per te la mia canzone vola!
Mamma...
Sarai con me, tu non sarai piu sola!
Quanto ti voglio bene!
Queste parole d'amore,
che ti sospira il mio cuore
forse non s'usano più...
Mamma...
Ma la canzone mia più bella sei tu!
Sei, tu, la vita,
E per la vita non ti lascio mai più!

Mamma... mei più!



Como Kyrie, rezámos

POEMA À MÃE
eugénio de andrade
[Póvoa de Atalaia, 1923-2005]

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe.

Tudo porque já não sou
o menino adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha – queres ouvir-me? –
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda ouço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio do laranjal...


Mas – tu sabes – a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.



Na partilha, quisémos mostrar bocadinhos de história de algumas das mães da Comunidade ou de outras comunidades que encheram as nossas vidas...

De seguida rezámos o Credo que foi publicado na Viragem


Creio em um só Deus
que nos criou a todas e a todos
e cuja divindade impregna toda a vida
de sagrado.

Creio nas múltiplas revelações
deste Deus
que vive em cada coração humano,
que se exprime em todas as culturas
e se encontra em todas as sabedorias do mundo.

Creio
que Jesus Cristo,
o filho único de Deus,
é o rosto de Deus
na Terra
em quem podemos ver melhor
a justiça divina
a misericórdia divina
a compaixão divina
à qual somos chamados.

Creio em Cristo
que é um com o Criador,
que nos mostra a presença de Deus
em tudo o que existe
e desperta em nós o sagrado.

Creio em Jesus, o Cristo
que nos conduz à plenitude
da estatura humana,
à qual fomos chamados
antes do começo da História
e por que todas as outras coisas foram feitas.

Por Cristo
tornamo-nos seres novos
chamados a ultrapassar os limites
do nosso ser imperfeito
e elevados à plenitude da vida.

Pelo poder do Espírito Santo
nasceu da Virgem Maria,
alma pura
e coração íntegro –
sinal para as gerações vindouras
do lugar eminente da feminilidade
no desígnio de Deus
para a salvação da humanidade.

Cresceu como nós crescemos
conheceu as idades da vida.
Viveu como nós vivemos,
sujeito às pressões do mal
e centrado no bem.
Ele não rompeu com o mundo
ao qual estava ligado
Não pecou.
Nunca se afastou do pensamento de Deus.
Indicou-nos a Via,
viveu-a por nós
sofreu-a
morreu por ela
para que pudéssemos viver
com um coração novo,
segundo uma mentalidade nova
e com uma força nova
apesar de todas as mortes
a que somos sujeitos todos os dias.

Por nossa causa
e da verdade eterna,
foi perseguido,
atormentado
e executado
por aqueles
que eram os seus próprios deuses
e não respeitavam o sagrado
em ninguém.

Ele sofreu para que pudéssemos compreender
que o espírito em nós
não pode ser morto
qualquer que seja o preço que tenhamos de pagar
para permanecer fiéis ao espírito de Deus.

Morreu
mas não está morto
porque vive em nós
ainda hoje.

"Ao terceiro dia", no sepulcro,
Ele ressuscitou
naqueles que deixava atrás de si
e também em cada um e cada uma de nós
para viver nos corações
que não hão-de sucumbir
perante os inimigos da vida.

Ele mudou a vida toda
para todas e para todos nós, daí em diante.

Subiu à vida de Deus
e aí espera a nossa própria ascensão
à vida para além da vida.

Ele aí espera
julga o que foi
e o que será
segundo os seus valores
e, em nome da virtude eterna,
para o tempo em que toda a vida
será reunida em Deus,
plenitude de vida e de luz,
fundada na verdade.

Creio no Espírito Santo
O sopro de Deus
sobre a Terra
que sem cessar propõe a visão de Cristo
às almas ainda nas trevas,
que dá a vida
mesmo aos corações ainda cegos.
Ele infunde a energia
aos espíritos ainda toscos, isolados
à procura e confusos.

O Espírito falou
ao coração humano
pelos profetas
E dá um sentido novo
à Palavra
através da História.

Creio na Igreja una
santa e universal.
Cimentada pela santidade da criação
e pela santidade dos corações para sempre fiéis.

Reconheço a necessidade
de ser libertada dos constrangimentos
da minha vida agitada
e de receber o perdão
por causa da minha fraqueza.

Procuro a vida eterna
sob formas que nem sonho
e tenho a convicção
de que a criação continua a criar
neste mundo
e em nós
para sempre.
Ámen.

Ámen à criação, ao Deus que é vida, à coragem; à esperança, ao espírito de verdade, à natureza, à felicidade, à integridade, ao lugar das mulheres no plano de Deus, a Cristo que nos chama a ultrapassar os nossos limites, ao perdão, a tudo o que faz da vida o primeiro passo na expansão do nosso coração nas dimensões de Deus.
Ámen. Ámen. Ámen. Podemos com certeza acreditar em tudo isto.
Tal como Deus fez.


Joan Chittister, Ce que je crois, Editions Bellarmin, 2002 (edição francesa de In Search of Belief, Publications Liguori, Mo., USA)
Tradução de Maria de Carvalho Torres publicada em Viragem (Revista do Metanóia – Movimento Católico de Profissionais), Lisboa, nº 50-51 | Maio-Dezembro de 2005



Quisémos, ainda, partilhar outros testemunhos:

Excerto de um email do poeta açoreano, Eduardo Bettencourt, ao escritor, também açoreano, Onésimo Teotónio Almeida, anunciando o nascimento do seu primeiro filho, Mauro.
Onésimo refere este email numa das suas dia-crónicas, publicadas na revista Ler, como um dos exemplos que elevam o email à categoria de texto literário.

Antes que me esqueça, tenho a alegria de te dizer que já sou pai. Nasceu-nos um rapazinho no dia 26 do mês passado. Chama-se Mauro. Enquanto escrevo ele dorme mais a Rosa, lado a lado. Foi uma luz que nos entrou pela casa dentro, cheia de música e insónia. Do seu nascimento guardo a memória de horas incendiadas e intermináveis, o palpitar indelével dum sentimento inebriado de sofrimento. A mulher, com a sua graciosidade, magia e misticismo, traz na sua vida a exuberância, a sensibilidade, uma insuspeitada coragem e determinação para suportar aqueles densos momentos de vulcânicas dores. A mim só me restam os olhos húmidos, a garganta sem voz frente à grandeza de um acontecimento que num repente transforma o mundo, o instante da eternidade. (...) A vida é a mais lógica e misteriosa equação da alma.


Mãe
Mãe
tu és bela como uma rosa.
Não cubras a tua beleza
com pano preto
mas sim
com rosas brancas.
Não cubras a simpatia
com a antipatia
mas sim com um sorriso.

Mãe
tu és uma estrelinha
no céu que ilumina toda a minha vida.
Não te dou um cravo ou uma rosa
porque não tenho jardim,
mas dou-te a flor do meu amor
tão bela tão bela
para quem sabe amar
tanto como tu.


Maria Auxiliadora - 11 anos
in "Cabo Verde visto pelas crianças"



Mãe, eu quero ficar sozinho... Mãe, não quero pensar mais... Mãe, eu quero morrer mãe.
Eu quero desnascer, ir-me embora, sem ter que me ir embora.
Mãe, por favor, tudo menos a casa em vez de mim, outro maldito que não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e de me encontrar fugindo, de quê mãe? Diz, são coisas que se me perguntem?
Não pode haver razão para tanto sofrimento. E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para regressar. Partir e aí nessa viajem ressuscitar da morte às arrecuas que me deste. Partida para ganhar, partida de acordar, abrir os olhos, numa ânsia colectiva de tudo fecundar, terra, mar, mãe... Lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto, lembrar nota a nota o canto das sereias, lembrar o depois do adeus, e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal, lembrar cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição, partir aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para ficar...
Assim mesmo, como entrevi um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o azul dos operários da Lisnave a desfilar, gritando ódio apenas ao vazio, exército de amor e capacetes, assim mesmo na Praça de Londres o soldado lhes falou: Olá camaradas, somos trabalhadores, eles não conseguiram fazer-nos esquecer, aqui está a minha arma para vos servir. Assim mesmo, por detrás das colinas onde o verde está à espera se levantam antiquíssimos rumores, as festas e os suores, os bombos de Lavacolhos, assim mesmo senti um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o bater inexorável dos corações produtores, os tambores. De quem é o carvalhal? É nosso! Assim te quero cantar, mar antigo a que regresso. Neste cais está arrimado o barco sonho em que voltei. Neste cais eu encontrei a margem do outro lado, Grândola Vila Morena. Diz lá, valeu a pena a travessia? Valeu pois.


excerto de José Mário Branco, FMI, 1982


Mulher com filha ao colo, em Dezembro
Onde quer que esteja a mãe
debruçada sobre a filha
o Natal pousa
e repousa

Nos longos dedos da mãe
sobre os cabelos da filha
o Natal mora
e demora

Filha dormida na mãe
repetição de Belém
o Natal feito
e perfeito


Depois, rezámos com D. Hélder Câmara, na Missa dos Quilombos, de Milton Nascimento e D. Pedro Casaldáliga:

Invocação à Mariama
Mariama, Nossa Senhora, mãe de Cristo e Mãe dos homens!
Mariama, Mãe dos homens de todas as raças, de todas as cores, de todos os cantos da Terra.
Pede ao teu filho que esta festa não termine aqui, a marcha final vai ser linda de viver.
Mas é importante, Mariama, que a Igreja de teu Filho não fique em palavras, não fique em aplausos.
O importante é que a CNBB, a Conferência dos Bispos, embarque de cheio na causa dos negros. Como, como entrou de cheio na pastoral da terra e na pastoral dos Índios.
Não basta pedir perdão pelos erros de ontem. É preciso acertar o passo de hoje sem ligar ao que disserem.
Claro que dirão, Mariama, que é política, que é subversão, que é comunismo. É Evangelho de Cristo, Mariama.
Mariama, Mãe querida, problema de negro acaba se ligando com todos os grande problemas humanos.
Com todos os absurdos contra a humanidade, com todas as injustiças e opressões.
Mariama, que se acabe, mas se acabe mesmo a maldita fabricação de armas. O mundo, o mundo precisa fabricar é Paz. Basta de injustiças!… de uns sem saber o que fazer com tanta terra e milhões sem um palmo de terra onde morar.
Basta de uns tendo que vomitar para comer mais e 50 milhões morrendo de fome num ano só.
Basta de uns com empresas se derramando pelo mundo todo e milhões sem um canto onde ganhar o pão de cada dia.
Mariama, Senhora Nossa, Mãe querida, nem precisa ir tão longe, como no teu hino. Nem precisa que os ricos saiam de mãos vazias e o pobres de mãos cheias.
Nem pobre nem rico!
Nada de escravo de hoje ser senhor de escravos amanhã. Basta de escravos. Um mundo sem senhores e sem escravos. Um mundo de irmãos!
De irmãos não só de nome e de mentira. De irmãos de verdade, Mariama!


D. Hélder Câmara


Por fim, acabámos embalados pela Beatriz (coalhada de luz!) que nos cantou:

A Ana quer
A Ana quer
nunca ter saído da barriga da mãe;
cá fora está-se bem
mas na barriga da mãe
era divertido:
coração ali à mão,
os pulmões ali ao pé,
ver como a mãe é
do lado que não se vê.

O que a Ana mais quer ser
quando for grande e crescer
é ser outra vez pequena:
não ter nada que fazer,
só ser pequena e crescer,
de vez em quando nascer
e voltar a desnascer.
A Ana quer...

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