Nesta série de celebrações que dedicamos à reflexão sobre diversas questões do trabalho, propusémos ao José António Raimundo que pensasse sobre o Trabalho e o Ambiente. O texto que ele nos trouxe, e que podemos ler a seguir, foi originalmente publicado em 2004 mas continua plenamente actual. Aqui fica:
Pensar Ambiente é Mudar de Rumo
É lícito defender a ideia de que a radicalidade das preocupações ambientais está sempre relacionada com o distanciamento, no tempo e no espaço, que conseguimos ter em relação à realidade, em relação ao mundo, em relação à vida.
O mesmo acontece com o património histórico, artístico ou arquitectónico, perante o qual o gesto da utilização do dia a dia seria irrelevante se o seu horizonte de vida se situasse em 50 ou 100 anos. No entanto, uma vez que se almeja a eternidade, cada acto de deterioração, por mais pequeno que seja, desde que não tenha uma resposta de auto-regeneração, adquire o carácter de drama histórico. Algum dia, alguma geração deixará de usufruir deste bem, em consequência da repetição de actos banais, até frequentemente cuidadosos, de gerações passadas.
A uma universidade exige-se esta capacidade de compreender os extremos - do instante à eternidade, da mais pequena partícula ao Universo, do mais etéreo fenómeno ao mais rudemente materializável - e conseguir, em simultâneo, contribuir para a melhoria da vida em momentos reais, quase vulgares quando observados com uma curta visão histórica.
É pois, deste modo, que desafios aparentemente menores podem ser profundamente radicais numa perspectiva cósmica. Estão nessa situação as iniciativas básicas em que assentam as políticas ambientais de diversas universidades europeias: a gestão da energia e do consumo de água, a política de transportes, mobilidade e acessibilidade, a política de consumíveis reciclados e recicláveis, o controlo das emissões gasosas e a gestão de resíduos.
Naturalmente que, em simultâneo, e numa outra esfera de preocupações, estão todas as actividades de ensino, investigação e prestação de serviços especializados nos mais diversos sub-domínios das ciências ambientais e, mais recentemente, na área do desenvolvimento sustentável.
No domínio dos princípios e dos objectivos gerais não há desacordos significativos nesta matéria e não custa aceitar que, em Coimbra, a Comunidade Universitária conhece e subscreve estas preocupações básicas. Já no domínio da concretização o percurso é mais acidentado, quer pelas contradições do sistema, quer pelo custo do acto ambiental, quer, ainda, pela sensação de perda, quando é necessário renunciar à solução mais imediata, do papel sempre novo, sempre branco, ou do ar condicionado à medida da sensação de conforto individual. A concretização de desafios tão básicos exige maior partilha de informação, maior valorização social e maior visibilidade institucional.
Na promoção de novos edifícios e equipamentos, a bandeira é "o uso racional da energia", acreditando-se que este, quando levado às últimas consequências e aliado a uma "arquitectura de excelência", é garantia suficiente para que fiquem salvaguardas as maiores preocupações ambientais. Acredita-se, assim, que a preocupação energética não esquecerá a minimização do "custo do ciclo de vida", entendido em toda a sua complexidade e extensão, com início na extracção e transformação de matérias primas, percorrendo o longo ciclo de construção, utilização e desactivação, terminando apenas com o retorno à condição elementar de matéria, no mesmo lado da espiral onde assumimos ter iniciado o processo. Em complemento, é preocupação crescente a garantia da durabilidade dos edifícios e da exequibilidade das acções de manutenção, bem como a utilização racional do solo, privilegiando a alternância de zonas construídas com espaços livres, verdes e permeáveis.
Na reabilitação de edifícios acrescenta-se a preocupação da gestão dos resíduos de construção, cuja selecção começa a ser feita de forma criteriosa, potenciando a sua reciclagem e reutilização, diminuindo as exigências de aterro e reduzindo o risco de contaminação generalizada a partir de pequenas quantidades de resíduos perigosos.
Apesar de não ser possível ignorar integralmente as limitações técnicas e financeiras destas opções, é absolutamente iniludível que os maiores constrangimentos são de ordem cultural. A opção pela promoção de uma construção sustentável implica exigir muito dos projectistas, implica resistir à tentação de avaliar as soluções por mera intuição ou empatia com o modo do traço ou da luz, com a moda ou crédito da tendência que se adivinha, com o arrojo ou a ingenuidade da solução.
Este novo desafio é um gume afiado sobre os arquitectos, sobre os engenheiros e sobre os projectistas em geral. Quem não fizer a conversão radical que lhe permita perceber os constrangimentos de um futuro que não é só seu, e sobre o qual tem direitos limitados mas deveres avassaladores, pode em breve desejar que as suas obras não perdurem para que não fiquem como testemunho futuro duma barbárie de rosto civilizado.
Pensar "ambiente" é sempre "mudar de rumo" porque as nossas metas estão e estarão sempre aquém do desejável, limitadas pela condição da nossa temporalidade. Por isso, o desafio desta breve partilha não é o das grandes acções, que a outro tempo se abordarão, mas sim o das grandes atitudes que o ambiente aguarda sofregamente e que a nossa cultura tarda em aceitar.
José A. Raimundo Mendes da Silva
in Rua Larga – Revista da Reitoria da Universidade de Coimbra, Coimbra, Universidade de Coimbra, trimestral, nº 6 – Outubro 2004
http://www.uc.pt/sdp/rualarga98/subseccoes/detalhe.php?PnID=246
domingo, fevereiro 12
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