domingo, março 26

IV Domingo da Quaresma

O Evangelho de hoje é o belo discurso de Jesus a Nicodemos, em que Ele afirma Deus amou de tal modo o mundo que entregou o seu Filho, para que todo aquele que acredita tenha n'Ele a vida eterna.
Quisémos enriquecer a celebração com a reprodução da obra de Salvador Dali que juntamos


Salvador Dali (1904-1989), Cristo de São João da Cruz, 1951, Óleo s/ Tela, 204.8 x 115.9cm,
St Mungo Museum Of Religious Life and Art, Glasgow


Juntámos, à imagem, este interessante texto de Pedro Mexia:

O Cristo sem pregos de Dali
Nenhuma reprodução tem a mesma intensidade do original. E às vezes ver ao vivo um quadro que só conhecíamos dos livros é uma experiência única. Aconteceu-me isso agora quando visitei o St Mungo Museum Of Religious Life and Art, em Glasgow, e vi Cristo de São João da Cruz (1951), de Salvador Dali.
Solenemente pendurado alto numa sala central, parece altíssimo, como se estivesse no cimo duma catedral. Sempre admirei imenso este quadro, mas vê-lo ao vivo quase convoca sentimentos religiosos. Não é mais uma imagem de Cristo na cruz este Cristo nem está pregado na cruz. Está suspenso, pairando sobre o madeiro de cabeça caída, braços abertos e pernas unidas. Dali, com enorme ousadia, retira todas as marcas tradicionais da Paixão: não há pregos, não há espinhos, não há sangue. Há um corpo morto que parece vivo pregado sem pregos a uma cruz que voga nos céus, inexplicável como o monolito do 2001 de Kubrick.
O Cristo de São João da Cruz baseia-se numa passagem do poeta e místico espanhol e num desenho que ele mesmo esboçou para acompanhar esse texto. A experiência mística não é estranha a este Cristo de Dali, mesmo na sua ostensiva recusa do cristianismo canónico. Estamos nos antípodas de uma visão dolorista (que teve em Mel Gibson um cultor recente), esse que se interessa sobretudo pela carnificina e pelo sofrimento.
O que encontramos de mais glorioso neste Dali é a inteireza do corpo de Cristo, que vemos de cima, quase de trás, com o peso do mundo nas costas, mas reinando supremo. É um Cristo morto mas já ressuscitado. Cá em baixo, temos um porto e barcos de pesca. A Galileia. Ou Port Lligat, na Catalunha. Não importa. A morte e a ressurreição não são eventos abstractos são consequência e remissão do mundo tal como o conhecemos.
Ao vivo, somos esmagados pelo domínio espectral desta cena, a mais comum e a mais incomum na arte cristã ocidental. Mas também observamos algo que não é perceptível nas reproduções os danos que o quadro sofreu em 1963, quando foi vandalizado. Dois rectângulos na parte inferior da tela mostram as marcas desse ataque, marcas que o restauro não conseguiu esconder por completo. A figura de Cristo, curiosamente, não foi atingida.


Pedro Mexia
Diário de Notícias, 13 de Setembro de 2005


Poderíamos juntar, ainda, mais esta obra de Dali, para nos fazer pensar e reflectir, atendendo a algumas das pistas que nos são abertas pelo texto de Pedro Mexia e, como dissémos, pelo Evangelho:


Salvador Dali (1904-1989), Crucifixão (Corpus Hypercubicus), 1954, Óleo s/ Tela, 195.6 x 124.5 cm,
The Metropolitan Museum of Art, New York


... Mas não enriquecemos a nossa partilha.

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