4º Domingo da Quaresma - Ano C
Salvos pelo amor do Pai que espera o regresso do filho.
Amor maior e mais forte do que o pecado
Salvos pelo amor do Pai que espera o regresso do filho.
Amor maior e mais forte do que o pecado
Não é fácil aceitarmo-nos como pecadores. Geralmente tentamos recusá-lo, e alguns acreditam que o conseguem; mas, de repente, sentimos, na nossa vida e na do mundo que nos cerca, uma profunda culpabilidade: guerras e exploração, ódio racial e fome, incapacidade de sermos nós mesmos, de amar o outro desinteressadamente, de perdoar. Uma história de pecados pessoais e pecados de um povo.
À luz da fé, o pecado da pessoa surge sobretudo como uma recusa de amor, um afastamento da corrente do amor de que Deus é a fonte. Mas Deus manifesta-se infinitamente maior do que a recusa que lhe opomos; vai ao encontro da pessoa mesmo no seu pecado; perdoando, vence o ódio e dá início à história da misericórdia, da humanidade reconciliada.
Jesus é o início de uma nova e singular história de perdão: declara não ter vindo “para condenar o mundo, mas o salvar” (Jo 12, 47); declara ter vindo não para os que se crêem justos, mas para os pecadores. Toda a vida de Jesus, especialmente a Sua morte na cruz, foi expressão de uma misericórdia sem limites.
Os privilegiados da misericórdia, os preferidos de Jesus, são os pobres, as mulheres abandonadas, os estrangeiros, isto é, os marcados por uma interdição e repelidos pela sociedade. Para Jesus, o filho pródigo é sempre esperado. Essa atitude provoca o espanto e a indignação dos fariseus - cf Lc 15, 1-3.11-32.
Um comentário sobre Lc 15, 1-3.11-32
A parábola é conhecida como «do filho pródigo». Este título não é bom. A história não fala só do filho mais novo; há o irmão mais velho, que ocupa toda a segunda parte, e há, sobretudo, o pai, que é sem dúvida a personagem mais importante. Que tal, então, um título assim: “Um pai e dois filhos que não o entendiam»?Para compreender o sentido da parábola, é importante saber a quem foi dirigida. Os vv. 2-3 dão-nos a resposta: «Os fariseus e os escribas criticavam Jesus e diziam: Este acolhe os pecadores e come com eles. Ele, então, contou-lhes esta parábola...».
O objectivo de Jesus não era, portanto, convencer os pecadores a deixar o mau caminho. Era aos fariseus, aos «justos», que Ele queria dar uma lição.
Na parábola, estes são representados pelo irmão mais velho: observavam fielmente todas as leis, desprezavam os outros, consideravam-se perfeitos, não aceitavam sentar-se à mesa com os pecadores e condenavam aqueles que, como Jesus, eram amigos desta categoria de pessoas. Estes cavalheiros deviam compreender que estavam a correr o grande risco de ficar fora da festa, se não mudassem rapidamente a sua maneira de pensar e não se conformassem com a do Pai.
Vamos, agora, comentar a história. O irmão mais novo, certo dia, deixou a casa. O pai não fez resistência, não disse uma palavra. Este é o sinal do respeito que Deus tem pela “liberdade” do homem.
Nas nossas famílias existe o mesmo respeito pela liberdade dos filhos que alcançaram a maioridade?
Porque é que se foi embora? É difícil dizer. Um dos motivos deve ter sido o facto de que na casa do pai não podia fazer aquilo que queria. As disposições e os conselhos do pai deviam irritá-lo bastante. Deviam parecer-lhe uma injusta limitação da sua liberdade.
Este pode ser o motivo pelo qual muitas pessoas ou não querem saber nada da Igreja ou não querem entrar nela ou saem dela. Seria injusto, porém, afirmar que esse é o único motivo. Os irmãos mais velhos que ficam em casa têm, geralmente, muita culpa nestas saídas. O ambiente que criam na casa do Pai é, às vezes, intolerável e pouco conforme com os projectos do Pai. Constroem uma religião sem amor, feita de exterioridades e formalismos, uma liturgia, que é só teatro, porque desligada da vida do povo. Celebram a Eucaristia no meio de divisões, de ódios, de críticas, de conversas mesquinhas e de ruptura entre a fé e a vida. É evidente que, na casa do Pai o ar torna-se muito pesado, as pessoas não conseguem respirar e é natural que alguém decida ir embora.
Talvez tenhamos de examinar honestamente quais foram as nossas responsabilidades no abandono das pessoas que nos deixaram e só depois preocupar-nos com eles.
Longe da própria casa, no entanto, o filho mais novo não encontrou a felicidade que procurava... deu conta que estava a passar mal («Eu, aqui, morro de fome!»)… caiu em si.
Mas estava ou não arrependido daquilo que tinha feito?
Parece que não estava. A parábola só diz que ele tinha fome e que, para não morrer, arranjou umas frases bonitas para convencer o pai. Não há nada que faça pensar no arrependimento ou no desgosto por ter magoado o pai e o irmão.
Aliás, era mesmo este o aspecto escandaloso de toda a questão. Se Jesus tivesse acolhido os pecadores arrependidos, não teria feito nada de estranho. Aquilo que irritava os fariseus era o facto de Jesus acolher e jantar com os pecadores, que continuavam sendo pecadores.
É este, acho eu, o ponto mais importante de toda a parábola. Jesus mostra que Deus não gosta só dos bons e dos pecadores arrependidos. Ama a todos e sempre, sem pôr condições. Alguns, encontrando Jesus, mudaram de vida, mas a maioria ficou como era; e Ele continuou a ser seu amigo. Não foi Ele chamado «o amigo dos publicanos e dos pecadores» (Lc 7, 34; cf Mt 9, 12-13)?
Cabe então perguntar: «Até quando ficará Jesus amigo dos pecadores?» Haverá uma data e uma hora em que Ele mudará, de repente, os Seus sentimentos para com eles, tornando-se seu juiz severo?
Pois claro, dirão alguns, será no dia da morte. Mas não acham bastante estranha esta mudança de coração? Não seria uma espécie de cilada, uma traição por parte do melhor amigo?
Só que, diz-se ainda, não será Cristo a condenar; será o próprio pecador a condenar-se sozinho.
Ah, Deus santo! Corno é possível que o encontro com o Senhor, em vez de iluminar e purificar o homem, o torne eternamente teimoso no mal e na infelicidade? Como é possível que chegue o tempo em que o amor de Cristo seja incapaz de salvar um amigo? Como é possível que, a certa altura, o mal ganhe (eternamente!) contra o amor de Deus?
Este desejo de ver condenado quem fez mal nasce dos sentimentos de vingança (e, porque não, de sadismo) que se encontram no coração do homem. Os «justos», isto é, os irmãos mais velhos, no fundo do seu coração, estão convencidos de que o irmão que peca está a gozar da vida e, por isso, sentem ciúme e inveja. Não dão conta de que mesmo que não houvesse paraíso nem inferno, a vida melhor e mais feliz seria sempre a que está conforme ao projecto do Deus de Cristo Jesus. Não compreendendo isso, procuram fazer sofrer ainda mais o irmão que já sofreu bastante longe da casa do Pai.
Não repetem estes «justos» as atitudes do irmão mais velho? As palavras que este filho disse ao pai estavam todas certas (um pouco malcriadas, mas certas). Só havia um problema: depois de tantos anos, ele não tinha percebido ainda nada do coração do pai. Aliás, não é por acaso que, ao longo da parábola ele nunca lhe chama «pai», enquanto o filho mais novo por 5 vezes fala do seu «pai».
«Filhos mais velhos» são todos os cristãos que, depois de muitos anos de catequese, estão convencidos de que sabem tudo sobre Deus. Afinal, ainda não chegaram a compreender a coisa mais importante: que Deus é Amor e que salva a pessoa toda e todas as pessoas.
Mais do que «filhos» estes são «empregados». Só sabem trabalhar e cumprir ordens. Deus, para eles, não é Pai, é dono. Relacionam-se com Ele como servos dum patrão. Não recebem nada de graça: ganham, merecem. Conquistam o paraíso com muitos esforços. Como haveriam de gostar que, no fim, o Pai deixasse entrar a todos?...
Nem são filhos, nem tampouco são irmãos. Os homens que falharam, para eles, já não são irmãos. Veja-se bem como o filho mais velho fala ao pai; não diz «este meu irmão», diz: «este teu filho», como se nem sequer o conhecesse. A ele o pai responde: «Filho... este teu irmão...». Bom ou mau, o homem continua sempre um irmão para nós e um filho para Deus.
Os «irmãos mais velhos» são, às vezes, uma chatice: como não podem ainda mandar no céu, pretendem, pelo menos, ser donos, aqui, na terra. A Igreja é deles, e constituem, frequentemente, um grande empecilho ao regresso dos irmãos que falharam. Humilham-nos e tomam atitudes que os fazem sentirem-se envergonhados. Como na parábola, os irmãos que se afastaram só podem regressar quando estes «donos» não estão em casa...
(ARMELLINI Fernando, Vinde todos...à minha Festa!, Edições Paulistas - África, Lisboa - Kampala, 1988, pp. 93-96 - adaptado)
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Não basta ter permanecido sempre na casa do pai para participar no banquete: é preciso saber perdoar. Não basta nada ter feito de reprovável nem ter observado as leis da Igreja e do Estado: é necessário também esperar e desejar a vinda daquele que se afastou de casa. A Igreja não é a comunidade dos que não erram, dos que não caem, mas dos pecadores que querem voltar ao Pai, sem pretensões; a comunidade dos que compreendem o outro e, se este cai, o ajudam a retomar o caminho juntos; a comunidade dos que celebram o perdão do Pai, acolhendo-o e oferecendo-o aos irmãos - o perdão mútuo entre nós é exigência fundamental e condição absoluta para nos podermos dirigir ao Pai comum a fim de que nos perdoe: Quando fores levar a tua oferenda a Deus, se te lembrares que o teu semelhante tem algo contra ti, deixa a tua oferenda diante do altar e vai fazer as pazes com ele (cf Mt 5, 23-24).
A casa do meu Amigo
(Ricardo Cantalapiedra)
A casa do meu Amigo não era grande
A casa era pequena
Na casa do meu Amigo havia alegria
E flores na porta
A todos ajudava nos trabalhos
Seus actos eram justos
O meu Amigo nunca quis mal a ninguém
Partilhava nossas dores (bis)
O meu Amigo nunca teve nada seu
Suas coisas eram nossas
A “terra” do meu Amigo era a vida
Amor era a sua “terra”
Alguns não quiseram o meu Amigo
Expulsaram-no da terra
Sua ausência foi chorada p’los humildes
Penosa foi Sua ausência (bis)
A casa do meu Amigo tornou-se grande
E nela entrou muita gente
Na casa do meu Amigo entraram leis
E normas e condenações
A casa encheu-se de hipócritas
De negociantes
A casa encheu-se de negociantes
Correram as moedas (bis)
A casa do meu Amigo está mui limpa
Mas... faz frio nela...
Já não canta o canário p’la manhã
Nem há flores na porta
Fizeram da casa do meu Amigo
Uma obscura caverna
Onde ninguém se ama nem se ajuda
Onde não há Primavera (bis)
Saímos de casa do meu Amigo
Em busca dos Seus passos
E já estamos vivendo noutra casa
Uma casa pequena
Onde se come o Pão e bebe o Vinho
Sem leis nem condenações
E já encontrámos nosso Amigo
E seguimos Seus passos (bis)
António Samelo
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