domingo, março 25

O Deus de Jesus é um Deus frágil e “inútil”: o Deus das surpresas!

5º Domingo da Quaresma - Ano C

Um dia entre as montanhas

(Ricardo Cantalapiedra)


1. Um dia entre as montanhas apareceu um Peregrino, apareceu um Peregrino.
Aproximando-se de todos acariciava os pequeninos, acariciava os pequeninos.

IA DIZENDO PELOS CAMINHOS:
AMIGO VEM! SOU TEU AMIGO! (bis)

2. Suas mãos não empunham armas, Suas palavras são de vida, Suas palavras são de vida.
Chorando com os que choram, comparte a alegria, e comparte a alegria.

3. Reparte o pão entre todos, a ninguém nega o Seu vinho, a ninguém nega o Seu vinho.
Está perto dos que O procuram e consola os mendigos, e consola os mendigos.

4. E aqueles que O viam contavam aos seus vizinhos, contavam aos seus vizinhos:
Anda um Homem p’las estradas que quer ser nosso Amigo, que quer ser nosso Amigo;
nda um Homem p’las estradas que leva a Paz conSigo, que leva a Paz conSigo.


“E o Verbo fez-se carne” (Jo 1, 14),
isto é, fez-se débil, frágil, limitado (significado de “sarx”=“carne” em S. João).

“Tende em vós os mesmos sentimentos de Cristo Jesus:
Ele, que é de condição divina, (…) esvaziou-se a si mesmo,
assumiu a condição de servo, (…) humilhou-se
e foi obediente até à morte e morte de cruz!” (Fl 2, 5-6.7.8).

Primeira surpresa: fragilidade. O Deus revelado por Cristo Jesus comporta-se não só de modo contrário às previsões humanas, mas também de modo diferente do que previam os escribas e os fariseus. A uma religião reduzida à justiça da pessoa humana e à interpretação de escribas e fariseus, Jesus opõe uma fé baseada na misericórdia divina: Deus é muito maior que o pecado de quem errou e não condena ninguém - que surpresa para a mentalidade dos escribas e fariseus e até para a mentalidade humana!
As simpatias de Jesus e do Deus por Ele manifestado são pelos pecadores, os desprezados, os "excomungados" do seu tempo, aqueles com quem as pessoas de bem não ousavam conviver para não se contaminarem: o Deus que Jesus vem “dizer” e “mostrar” é o Deus dos pobres e dos desprotegidos, o Deus frágil, acolhedor e solidário com todos os que estão de mãos vazias - no evangelho de hoje (cf Jo 8, 1-11) é acolhedor e solidário com uma mulher apanhada em adultério que devia, segundo a Lei, ser apedrejada: apresentada a Jesus para que decida sobre o que fazer, Ele faz silêncio…, interrompe-o («quem de entre vós estiver limpo atire a primeira pedra!»)... e volta ao silêncio… libertador para a mulher e provocador nos escribas e fariseus de um silêncio completo, envergonhado e espantado com a fragilidade de Deus.
Esta abertura de Cristo Jesus e do Seu e nosso Pai a toda a humanidade pecadora, oferecendo a salvação a todos, encontra resistência e suscita escândalo ainda hoje. De facto, nos nossos dias ainda existe uma tendência a fechar-se em pequenos oásis de fervor religioso, a desejar uma Igreja feita de "puros"!...
Outra surpresa: “inutilidade”. O Deus revelado por Cristo Jesus é o Deus da gratuitidade, para quem a pessoa humana é o mais importante e em relação à qual tem sempre a iniciativa primeira.
A propósito, não resisto a citar (e a subscrever) um testemunho muito belo de Joseph MOINGT, jesuíta e teólogo católico francês, inserido numa obra (que aconselho vivamente!) com um título sugestivo: AA. VV., A mais bela história de Deus. Quem é o Deus da Bíblia?, Edições ASA, Porto, 19982, pp. 121.122-124.125.166-167 (obra que contém ainda o testemunho de um assiriologista e de um rabino filósofo). Interrogado, Joseph Moingt vai dizendo:
No começo da sua primeira Carta aos Coríntios (capítulo 1, versículo 23), escrita por volta do ano 55 da nossa era, Paulo afirma que «Cristo crucificado é escândalo para os judeus e loucura para os pagãos».
Onde está o escândalo, onde está a loucura? Não resultam do facto de Jesus atacar a religião do seu povo. Não era o único a fazê-lo. Resultam, antes, de ele desordenar, destruir e, na minha opinião, continuar a desordenar e a destruir as referências a que as pessoas religiosas costumam conceder a confiança delas. A liberdade da sua palavra e da sua busca de Deus desestabilizava as instituições religiosas, lançava o descrédito sobre as práticas religiosas demasiado seguras de si mesmas; desviava o curso das tradições religiosas recebidas e aceites.

Esse questionamento da religião não será paradoxal? Jesus era um homem religioso!
A religião tende sempre a colocar-se no lugar de Deus, a obrigar as pessoas a passar por ela para encontrarem Deus. No entender de muita gente, encontra-se Deus no culto ou nas cerimónias religiosas, e em nenhum outro lado. A religião reduz-se assim às obrigações e às tradições religiosas, com as quais se julga ter acesso a Deus ou contentar Deus. Foi com uma tal concepção religiosa que Jesus rompeu. (…)
O amor e a justiça para com o próximo são o amor a Deus e vêm substituir todos os preceitos da legislação judaica, a Tora no seu conjunto.
É isto que produz a ruptura e vai, inexoravelmente, conduzir ao processo (da Sua morte). Tanto mais que outros elementos do ensinamento de Jesus criticam igualmente a religião. Assim, ele recomenda a cada um que procure a vontade de Deus, como se esta não estivesse já dada e escrita na Lei. Convida cada um a orar na intimidade do seu coração, como se o Templo já não fosse o lugar privilegiado da oração, o lugar onde a oração é acolhida por Deus. Pede, aliás, que todos se reconciliem com o próximo antes de irem orar no Templo. Ainda por cima, parece anunciar a destruição do Templo e substituir-se ele próprio ao Templo: palavras perigosas, que desempenharão um papel essencial na altura do seu processo, pois é uma autêntica blasfémia.
Na realidade, e seja qual for a porção de palavras integradas no texto evangélico ou endurecidas após a morte de Jesus, tem-se a impressão de que, desde o início, o conflito que irá levá-lo ao processo e à morte se trava em volta da interpretação da religião. Em Mateus, Jesus comenta a Lei, em especial no célebre «Sermão da Montanha» (capítulos 5 a 7). Mas fá-lo sob uma forma muito crua para os seus interlocutores: «Ouvistes o que foi dito... Eu, porém, digo-vos...» Mateus não inventou certamente esta passagem. Além disso, de uma maneira geral, Jesus tem pouca estima pelo clero, os sacerdotes, os doutores da Lei: chega mesmo a provocá-los e eles devem ter-se sentido altamente depreciados por Jesus. Acabarão por pedir a sua condenação à morte. Mas, para lá deles, foi a religião que condenou Jesus à morte.

A religião condenou Jesus à morte?
Sim, no processo e na morte de Jesus, vislumbro uma saída de Deus para fora da religião, e uma entrada de Deus no mundo profano dos homens. Esta saída e esta entrada serão ainda acrescidas quando, no momento do Pentecostes, o Espírito «se derrama por toda a carne» ao descer não só sobre os judeus, mas também sobre os pagãos, e se profana, por assim dizer, na carne de todos os homens, inclusive dos homens impuros. Eis, para mim, a Boa Nova: Deus sai do recinto do sagrado onde estava encerrado. Já não se acha confinado em lugares (a montanha, o templo); já não nos relacionamos com Ele unicamente por meio de sacrifícios ou da obediência às suas leis. Deus liberta-nos do peso da religião e do sagrado, com todos os terrores que a tal estão ligados e todas as servidões que daí decorrem. (…)
Eu diria mesmo: o homem pode libertar-se do culto de Deus, pois Deus não precisa disso. De resto, nunca precisou e não o exige. O melhor culto que se pode prestar-Lhe é o serviço do próximo, o amor aos outros, a justiça feita a todos, na esteira do próprio Jesus. Eis o Evangelho, ou seja, traduzido literalmente, a «Boa Nova».

Poderíamos então dizer que a religião chega ao fim?
A religião, sim, mas no sentido em que a defini anteriormente. A meu ver, a novidade cristã está no facto de a salvação ser alcançada na vida profana; não depende do acatamento dos inumeráveis preceitos de Deus, mas do serviço prestado ao próximo. Tornarmo-nos servidores dos outros: tal é a via do Evangelho. (…) É também uma mensagem de salvação universal, visto não estar ligado a qualquer culto e não rejeitar ninguém da salvação: é salvo todo aquele que se constitui próximo de todos os próximos, a exemplo do próprio Jesus. Em certos casos, isto pode requerer o sacrifício da nossa vida, indo assim muito longe... (…)

O que é Deus numa vida humana? Afinal de contas, para que serve Ele?
Para que serve Deus? Deveríamos começar por desembaraçar-nos dessa ideia de que Ele é «útil». Não, Ele não é um objecto «útil», e ainda menos hoje, nas condições do mundo moderno, do que ontem. É o ser gratuito por excelência, que nem sequer nos impõe a sua presença. Mas quando sentimos em nós esta presença, podemos fazer a experiência da gratuitidade, da alegria, da bondade.
Neste sentido, as coisas invertem-se. Para os que compreenderam que a existência é gratuitidade, Deus torna-se soberanamente indispensável, pois é Ele que de modo permanente nos coloca em tal sentimento de gratuitidade: arranca-nos a tudo o que nos «prende», impede-nos de nos absorvermos nas coisas do mundo, de açambarcar os objectos dele, de nos servirmos primeiro em vez de estar ao serviço de todos.
A ideia de Deus, ou a fé n’Ele, dá assim ensejo a uma resistência. Permite-nos idealizar e construir uma humanidade que é, por vezes, contrária aos modelos que nos propõem e que nós próprios temos em mente. Contrária, em particular, aos modelos que desejaria impor-nos uma humanidade que se desembaraçou de Deus — sem, no entanto, ser meu intuito acusar, nem ao de leve, aqueles para quem Deus já não conta. Relativamente a eles, aliás, o importante não é mostrar que «Deus conta», coisa que fazem com inépcia, ainda hoje, muitos «missionários». Mais valeria tentar fazer entender este sentimento de gratuitidade que a existência de Deus proporciona: talvez se restituísse, assim, algum crédito a Deus...
Não que eu julgue indispensável, em si mesmo, que os homens pensem em Deus para serem salvos: podem sê-lo de outra maneira. Mas, para viver uma vida humana, concebida segundo o modo da liberdade de espírito, acho, em compensação, que é preciso chegar a esse sentimento da gratuitidade da existência. Se Deus «serve» para alguma coisa, é essencialmente para isto, talvez unicamente para isto.

Onde estão os profetas
(Ricardo Cantalapiedra)

Onde estão os profetas
Que noutros tempos nos deram
As esperanças e forças para andar
Onde estão os profetas
Que noutros tempos nos deram
As esperanças e forças para andar... para andar

Refrão
E NAS CIDADES
E NOS CAMPOS
ENTRE NÓS ESTÃO (bis)
NA CIDADE - ONDE ESTÃO
E NO MAR - ONDE ESTÃO
NA CIDADE - ONDE ESTÃO... ONDE ESTÃO

Simples coisa é a morte
Difícil coisa é a vida
Quando não tem sentido já lutar
Onde estão os profetas
Que noutros tempos nos deram
As esperanças e forças para andar... para andar
Refrão

Ensinaram-nos normas
Para nos suportarmos
E nunca nos ensinaram a amar
Onde estão os profetas
Que noutros tempos nos deram
As esperanças e forças para andar... para andar
Refrão
António Samelo

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