IV DOMINGO DA QUARESMA
O discurso científico maneja conceitos “claros e distintos”, mas essa linguagem não chega para exprimir o sentido da vida. Por isso, uma vez começada, a poesia nunca acabou. Os evangelhos sinópticos contam que Jesus “ensinava muitas coisas em parábolas” (Marc 4,2), o evangelho de S. João põe na boca de Jesus imagens que encontram eco no mais fundo de nós mesmos: o alto e o baixo, o novo e o antigo, a luz e as trevas, o deserto onde se morre à sede e a água viva que brota fresca duma fonte. Ele próprio, Jesus, é para todos nós o caminho, a verdade e a vida (Jo 14,6).
O Evangelho desta missa narra que “ao passar, Jesus viu um homem cego de nascença. Os discípulos perguntaram-lhe, então: «Rabi, quem pecou, para este homem ter nascido cego? Ele, ou os seus pais?»”(Jo 9,1-2). É uma pergunta típica de certa mentalidade religiosa: tudo deve ter explicação, mas sobretudo o que nos magoa. Não tendo encontrado resposta, os judeus começaram a pensar que tudo é decidido por Deus, e que as doenças são enviadas como castigo de algum pecado. Jesus nunca explicou o porquê do mal, mas rejeita esta atitude. Responde, suponho que de maneira sacudida, que não tinha havido pecado, nem por parte do cego, nem por parte dos pais; mas que nele se vai manifestar, agora, o poder de Deus. Então, numa espécie de anti-medicina, cuspiu no chão, fez lodo com a saliva, colocou-o nos olhos do cego e mandou que se fosse lavar à piscina de Siloé. Ele foi, e ficou a ver. Entendeu que tinha sido curado por um milagre, realizado “por aquele homem chamado Jesus”(9,11), a quem só conhecia pela voz, e fez disso propaganda. Mas os fariseus julgam doutra maneira: “Esse homem não pode ser de Deus, porque não guarda o sábado.”(9,16). Era, de facto, sábado nesse dia. Interrogam os pais do antigo cego, que se esquivam por medo. Sabiam que os fariseus tinham decidido expulsar da sinagoga quem apoiasse Jesus. Interrogam-no a ele, e lançam-no fora porque teima em afirmar que um homem que cura um cego de nascença só pode ser de Deus. Então Jesus procura-o e incita-o a acreditar de vez: “O Filho do Homem, o Messias, sou eu que falo contigo”. Depois, tem um desabafo de tristeza: “Eu vim a este mundo provocar uma divisão: os que não viam vêem; os que viam ficam cegos.” (9,37-39). Entendemos que compara a recusa ou a incapacidade de acreditar em Deus a uma cegueira; e a conversão a uma entrada na luz.
O ser humano foi feito para a verdade e para o amor, mas encontra-se envolvido nas trevas da ignorância e do erro, do egoísmo e da solidão. Acreditar é-lhe difícil, escaldado que se sente pela recusa dos homens e pelo silêncio de Deus. Por que é que Deus permite o mal?
Só nos foi dada uma espécie de resposta. Na Pessoa do Filho, Deus veio também a este mundo. Quis experimentar na sua carne aquilo que nos tinha pedido. A resposta à nossa pergunta está no seu exemplo de vida.
Neste mundo, Ele viveu entre os pobres, os marginalizados e os pecadores. Amou a todos, “até ao fim”. Aceitou carregar nos seus ombros o desdém, a inimizade, a injustiça e a morte na cruz. Disse-nos, desta maneira, que tem sentido viver neste mundo inquinado pelo mal. Chegou a dizer que são felizes, “bem-aventurados”, aqueles que vivem e morrem amando como Ele amou (Mat 5,1-12). Prometeu que uma vida e uma morte como essas conduzem, não ao abismo do nada, mas à vida sem fim (Mat 25,31-46).
Como acreditar neste discurso, que parece fantástico? Ele fez “sinais”. (S. João não fala de “milagres”, fala de “sinais”). Mas, face ao mal do mundo, que é quase infinito, queríamos infinitos sinais. E achamos, como os fariseus, que “Este homem não pode ser de Deus, porque…”. Felizes de nós se um dia entendermos que o sinal infinito é o do seu amor “até ao fim”.“A todos os que o receberam, e acreditaram nele, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1,12).
O encontro com Deus é um dom. Não julgamos quem (ainda) não acreditou, damos graças por aqueles que acreditaram, e passaram a “ver”.
2 de Março de 2008 - Pe. João Resina Rodrigues
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