domingo, fevereiro 24

Reflexões - mais propostas...

Mais uma vez por sugestão do José Pureza aqui ficam três textos a apelar à nossa reflexão; o primeiro, do nosso amigo Anselmo Borges, sobre o discurso preparado por Bento XVI para a abertura do ano escolar na Universidade de La Sapienza, em Roma; o segundo, o próprio discurso!
Por último, uma reflexão de Juan Masiá "sobre a separação entre César e Deus no actual contexto do debate público em Espanha."


Diário de Notícias, Quinta-feira, 7 de Fevereiro de 2008

BENTO XVI EM LA SAPIENZA


Anselmo Borges
padre e professor de Filosofia


La Sapienza - Universidade de Roma é talvez a maior universidade da Europa, com 150 mil estudantes e dois mil professores. Uma minoria de professores (67, vindos da Física) e de estudantes (umas centenas) opôs-se à presença de Bento XVI para uma lição na abertura do ano académico. Perante o protesto, o Papa declinou o convite.

Seguiu-se a procissão de pronunciamentos. Depois da islamofobia, é preciso falar também de "catolicofobia"? Não tem o Papa de habituar-se a protestos públicos? Títulos significativos de editoriais da imprensa italiana: "Uma ideia doentia" (La Repubblica), "Derrota do país" (Corriere della Sera), "Venceu a intolerância" (Il Sole 24 Ore).

O Papa enviou o texto, lido e recebido com aplauso geral. Fica aí o que parece ser o essencial, quando o clericalismo e o laicismo já não deviam existir.

Bento XVI parte de vários pressupostos. Como académico, sabe que a universidade é o parlamento das razões. Pela sua própria natureza, não está sujeita às autoridades políticas nem eclesiásticas, mas "exclusivamente à autoridade da verdade". Daí, a pergunta: "Que pode o Papa dizer na universidade?"

Indo de encontro à objecção de que iria buscar os seus juízos à fé, válidos apenas para quem a partilha, explica que, perante uma razão que despe a História, procurando autoconstruir-se apenas dentro de uma razão a-histórica, "a sabedoria da Humanidade enquanto tal - a sabedoria das grandes tradições religiosas - deve ser reconhecida como uma realidade que não pode ser impunemente lançada ao caixote do lixo da história das ideias".

Neste contexto, cita John Rawls, que, embora negue às doutrinas religiosas globais o carácter de razão "pública", vê nelas uma razão que não pode, em nome de um secularismo duro, ser recusada àqueles que a sustentam. Um dos critérios dessa razoabilidade é o facto de provirem de "uma tradição responsável e motivada", que ao longo das gerações desenvolveu "argumentações suficientemente boas", de tal modo que constituem um fundo de sabedoria humana com significado perene.

O Papa fala, portanto, como representante de uma comunidade crente.

Mas, no seio dessa comunidade, guarda-se um tesouro de conhecimento e experiência ética importante para toda a Humanidade. Nesse sentido, "fala como representante de uma razão ética."

Concretamente os cristãos não acolheram a fé de modo acrítico e cego, positivista, ou como compensação para desejos frustrados. Pelo contrário, entenderam-na sempre como a dissipação da névoa mitológica, para "dar lugar à descoberta do Deus que é Razão criadora e ao mesmo tempo Razão-amor". Não basta o saber teórico - não sublinhou Santo Agostinho que o simples saber arrasta consigo a tristeza? O Deus cristão, porém, que é Logos criador, é também o Bem, a própria Bondade. É assim natural que o universo cristão pudesse e devesse dar lugar ao nascimento da universidade.

No quadro da disputa sobre a relação entre teoria e prática e passando à actualidade, no contexto do direito e da política, Bento XVI sublinha a necessidade da procura de uma justiça normativa para a salvaguarda e promoção da liberdade, da dignidade humana e dos direitos do Homem. Citando J. Habermas, afirma que, neste domínio, não basta apelar para uma maioria aritmética: se se não quiser ficar prisioneiro de interesses particulares, exige-se "um processo de argumentação sensível à verdade" (wahrheitssensibles Argumentationsverfahren).

Novos saberes, concretamente no domínio das ciências naturais, foram legitimamente valorizados na universidade moderna. Mas há o perigo de a razão ceder às pressões dos interesses e ao fascínio da utilidade, que ergue como "critério último".

Assim, o Papa não vem à universidade para impor de modo autoritário a fé, que "só em liberdade pode ser dada". Mas é da sua missão "manter desperta a sensibilidade para a verdade, convidar a razão a pôr-se à procura do verdadeiro, do bem, de Deus".

Neste contexto, é esperável que Bento XVI inclua a Teologia na liberdade de investigação e ensino.


O texto do Papa pode ser descarregado aqui.

O de Juan Masiá pode ler lido aqui.


Boas leituras. Boas reflexões.

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