«Romper com o fatalismo
Incapazes de explicar os fenómenos e as suas causas os humanos primitivos encontraram no Universo dos Deuses e dos heróis míticos a resposta para as suas angústias e problemas . Incapazes de encontrar uma causalidade natural explicativa da vida, socorreram-se duma causalidade sobrenatural.
Não deixa de ser significativo que os gregos só tenham conseguido criar a democracia a partir do momento que descobriram que a ordem social não era ditada pelos deuses, mas construída pelos homens; quando vislumbraram a possibilidade de construir uma sociedade cujo destino não estivesse fora dela, mas nas mãos de todos os que dela participavam.
Só quando uma dada sociedade, como foi o caso da sociedade grega, começa a entender que é ela própria que constrói a essa ordem social, essa ordem desejada, é que ela tem condições para superar o fatalismo e o determinismo rígido.
O fatalismo pode ser definido como uma doutrina segundo a qual tudo o que acontece é inevitável. Em tal contexto, deliberação e acção não farão então muito sentido, pois o futuro já está previamente decidido. Para o fatalista o futuro é como o passado: um facto consumado e inalterável. Podemos ilustrar esta mentalidade com um exemplo. Não adianta chamar o médico no caso de uma pessoa ficar doente, pois se ela o chamar e já estiver determinado que ela não irá recuperar a saúde, ela não se restabelecerá; e se ela não chamar e já estiver determinado que ela irá recobrar a saúde, ela recuperará seguramente..
Ora, todos nós sabemos que é fácil refutar o fatalismo. Todos conhecemos casos de pessoas doentes que procuram o médico e sabemos que elas têm muito mais possibilidades de obterem melhoras do que quando não o fazem. Sabemos então, pela nossa experiência, que as nossas decisões, deliberações ou acções podem mudar efectivamente o futuro.
O fatalismo é geralmente associado às teorias filosóficas deterministas segundo as quais o futuro já se encontra previamente determinado pelo entrelaçado de cadeias causais geradas pelos estados de coisas actuais e pelas leis do universo. Mas tais conclusões são erradas e qualquer de nós tem relutância em aceitar ser apenas uma marionette ou um brinquedo nas mãos do destino ou dos deuses.
Creio que esta mentalidade fatalista ou anti-fatalista tem deixado na história humana marcas muito significativas. Porque o destino está traçado e não adiante lutar contra ele tivemos momentos históricos de grande estagnação. Por outro lado, foi a crença de que os homens e mulheres são fazedores do seu destino que nos brindou certamente com algumas das mais bonitas páginas da história que nos mostram toda a nossa capacidade criativa, lutadora, verdadeiramente emancipadora.
No nosso tempo, em muitas situações , o fatalismo e a falta de esperança, são estados de espírito verdadeiramente irónicos e cínicos. É por causa desse fatalismo e dessa falta de esperança que algumas vezes podemos ser levados a aceitar viver ou conviver com situações que condenamos.
Creio que o único antídoto possível é o apelo a um renovado compromisso, e a novos comportamentos tradutores dos mais fundos valores éticos das pessoas. A única saída é então mostrar e conseguir que as pessoas vejam que existem situações com as quais não podemos conviver, ou em relação às quais não devemos sequer ser tolerantes. Claro que todos sabemos que é mais fácil ficar na tranquilidade do nosso cantinho. Mas está na hora de rompermos com o fatalismo trivial do não há nada a fazer porque tem de ser assim porque sempre foi assim. A História ensina-nos precisamente que só é digno de figurar nela quem foi capaz de acreditar que a condição humana é reinvenção permanente e que homens e mulheres nascem criadores. E não foi esse afinal o exemplo do Mestre?»
José Vieira Lourenço
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