quinta-feira, outubro 30

"Mestre, qual é o maior Mandamento?"

Depois de iniciar a nossa Celebração, ouvimos, em jeito de Kyrie...
Rui Veloso - A Gente não Lê


O Evangelho deste 30º Domingo dava-nos nota de mais um teste que os fariseus quiseram fazer a Jesus; para a reflexão sobre as Leituras (especialmente do Evangelho), o Samelo levou-nos a apresentação que podem descarregar aqui.

Na partilha da Palavra (Ex 22, 20-26; 1 Ts 1, 5c-10; Mt 22, 34-40) quisemos saborear o texto que o Samelo nos enviou:

ENCONTRO DE DOIS AMORES
Será necessário afastar-se das pessoas para encontrar a Deus? E quem encontrou a Deus ainda poderá voltar às pessoas e viver com elas, interessar-se por elas, trabalhar com elas e para elas? Noutras palavras, são compatíveis o amor a Deus e o amor às pessoas, ou, pelo contrário, um exclui o outro, de modo que seja absolutamente necessário fazer uma opção?

Amar a pessoa humana para amar a Deus
Nenhuma destas perguntas recebeu de Jesus uma resposta essencial; o primeiro mandamento é amar a Deus e o segundo, que lhe é semelhante, amar as pessoas. Não se pode, pois, pensar que a entrada de Deus numa consciência provoque a exclusão da pessoa (cf evangelho). Pelo contrário, os textos mais seguros da mensagem do Antigo Testamento e de Jesus levam-nos a crer com certeza que o encontro com Deus renova e aperfeiçoa a atenção e a solicitude para com as pessoas (cf 1ª leitura).
“Quando Deus se revela pessoalmente, Ele fá-lo servindo-se das categorias humanas. Assim, revela-se Pai, Filho, Espírito de Amor; e revela-se supremamente na humanidade de Jesus Cristo. Por isto, não é demasiada ousadia afirmar que é preciso conhecer a pessoa humana para conhecer a Deus; é preciso amar a pessoa humana para amar a Deus” (RdC 122, b). “Deus marcou seu encontro com o homem em todas as coisas. Nelas o homem pode encontrar Deus. Por isso todas as coisas deste mundo são ou podem ser sacramentais. Cristo é o lugar de encontro por excelência: nEle Deus está de forma humana e o homem de forma divina. A fé sempre viu e acreditou que em Jesus de Nazaré morto e ressuscitado Deus e o Homem se encontram numa unidade profunda, sem divisão e sem confusão. Pelo homem-Jesus se vai a Deus e pelo Deus-Jesus se vai ao homem. Ele é caminho e termo final do caminho. Nele se encontram os dois movimentos, ascendente e descendente: por um lado é a expressão palpável do amor de Deus (movimento descendente) e por outro é a forma definitiva do amor do homem (movimento ascendente). Quem dialogava com Cristo se encontrava com Deus. (…) Ele foi a própria Abnegação, o radical Amor ao próximo e a exaustiva Dedicação. Porque era(é) sacramento” (Leonardo Boff, Os sacramentos da Vida e a Vida dos sacramentos. Ensaio de teologia narrativa, Editora Vozes, Petrópolis, 200121, pp. 46.47).

Mas convém aprofundar alguns problemas impostos pelos próprios textos evangélicos. Importa amar as pessoas, mas importa também acautelar se em relação ao mundo, saber deixar o pai e a mãe.
Como fazer um acordo entre proposições que, à primeira vista, parecem opor-se? Devendo absolutamente escolher entre a pessoa humana e Deus, que fazer? O amor das pessoas não é uma ameaça ao amor de Deus?
A Escritura e a tradição cristã nunca permitiram ao(à) cristão(ã) desinteressar-se da pessoa humana sob pretexto de interessar-se unicamente por Deus. Nunca deixaram de indicar no serviço da pessoa humana um modo de servir a Deus.

Teoria e práxis
A atenção a Deus e a atenção à pessoa humana não são facilmente separáveis. O cultivo da “vida interior’’ é um valor cristão, um valor permanente, como a necessidade de recolhimento. Mas a “vida interior”, quando é cristã, não é monólogo nem falar com Deus só. Encontrando Deus na oração, o(a) cristão(ã), mais cedo ou mais tarde, encontra inevitavelmente as pessoas que Deus cria e quer salvar. Ele(ela) não pode deixar de subscrever estas linhas de Paul Ricoeur: “A minha vida interior é a fonte de minhas relações exteriores. Contrariamente à sabedoria meditativa e contemplativa do fim do paganismo grego ou do Oriente, a pregação cristã jamais opôs o ser ao fazer, o interior ao exterior, a teoria à práxis, a oração à vida, a fé às obras, Deus ao próximo. É sempre no momento em que a comunidade cristã se desfaz ou a fé decai, que ela abandona o mundo e suas responsabilidades. reconstruindo o mito da interioridade. Então, Cristo não é mais reconhecido na pessoa do pobre, do exilado, do prisioneiro”.

Contemplação e acção
O cristão pode afastar-se momentaneamente das pessoas, para orar, para pensar só em Deus. Pode fazer uma hora de meditação sem encontrar expressamente, na contemplação do mistério divino, o pensamento das necessidades das pessoas. Isto torna-se mesmo, em certos momentos, uma profunda necessidade. Na vida cristã, como na vida humana em geral, existem normalmente ritmos; passa-se da contemplação à acção e desta à contemplação. Mas o afastamento das pessoas é sempre e apenas provisório. Assim como acontece na nossa existência, em que se sucedem tempos de retiro e tempos de intensa actividade, também na Igreja vemos contemplativos e activos. O mistério de Cristo, no seu todo, é vivido na Igreja, no conjunto de seus membros e em todos os séculos. O contemplativo serve as pessoas servindo a Deus; o activo serve a Deus servindo as pessoas. Os dois exprimem, especializando-se na imitação de Cristo, um mesmo e único mistério: o da vida religiosa do Verbo encarnado. Assim aconteceu e acontece ainda na história da Igreja. “A luz dos povos é Cristo: por isso, este sagrado Concílio, reunido no Espírito Santo, (…) propõe-se declarar, com maior insistência, aos seus fiéis e ao mundo inteiro, a natureza e a missão universal da Igreja, que em Cristo, é como que o sacramento ou sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano. As condições deste tempo tornam maior a urgência deste dever da Igreja, a fim de que todos os homens, hoje mais intimamente unidos por toda a espécie de vínculos sociais, técnicos e culturais, alcancem a unidade total em Cristo” (Concílio Ecuménico Vaticano II, Constituição Dogmática Lumen Gentium, n. 1).

A Palavra se faz Eucaristia
Não existe oposição entre o amor a Deus e o amor à pessoa humana - aliás, Ele é o seu melhor aliado. A assembleia eucarística, convocada pelo amor do Pai, realiza ao mesmo tempo o duplo mandamento: unidos na caridade fraterna nós dirigimo-nos a Deus como filhos(as).
Cristo, vindo também ao nosso meio no memorial do Seu sacrifício que é a Eucaristia, mostra-nos como se pode realizar um inteiro amor ao Pai e uma total doação aos(às) irmãos(ãs).
(in: Missal dominical. Missal da assembleia cristã, Edições Paulinas, São Paulo, 1987, pp. 801-802.806 - adaptadas)
2008-10-24
António Samelo

Depois, o Credo foi rezado assim:
Mercedes Sosa - Credo


No momento de acção de graças, lemos este texto do saudoso D. Hélder Câmara:

Que toda a palavra
nasça
da acção e da meditação.
Sem acção
ou tendência à acção
ela será apenas teoria
que se juntará
ao excesso de teoria
que está levando os jovens
ao desespero.
Se ela é apenas acção
sem meditação
ela acabará no activismo
sem fundamento,
sem conteúdo,
sem força...
Presta honras ao Verbo eterno
servindo-te da palavra
de forma
a recriar o mundo.
(Dom Hélder Câmara, O Deserto é Fértil (Roteiros para as Minorias Abraâmicas), Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira S.A., 1976, p. 109)

Não podia haver momento mais certo para a La-Salete nos anunciar que gostaria de baptizar o João, seu filho e do Alexandre, no seio da nossa Comunidade. A Festa ficou marcada para o próximo dia 7 de Dezembro, em pleno Advento.

Quisemos que o Cântico final fosse este...
Jason Donovan - Any dream will do

segunda-feira, outubro 20

Dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus!...

Mais uma vez o Samelo preparou-nos um texto e trouxe-nos duas apresentações para nos ajudar a reflectir. Aqui ficam estes documentos:

«Os nn. 42-44 da Constituição Pastoral Gaudium et Spes do Concílio Ecuménico Vaticano II são um bom comentário às leituras bíblicas Is 45, 1.4-6; 1 Ts 1, 1-5b; Mt 22, 15-21 do 29º DOMINGO DO TEMPO COMUM - Ano A (2008-10-19)

Ajuda que a Igreja oferece à sociedade
42. (…) O Concílio considera com muito respeito o que há de bom, verdadeiro e justo nas instituições tão diversas que o género humano criou e sem cessar continua a criar. (…) Ela nada deseja mais ardentemente do que, servindo o bem de todos, poder desenvolver-se livremente sob qualquer regime que reconheça os direitos fundamentais da pessoa e da família e os imperativos do bem comum.

Ajuda que a Igreja oferece à actividade humana
43. O Concílio exorta os cristãos, cidadãos de ambas as cidades, a que procurem cumprir fielmente os seus deveres terrenos, guiados pelo espírito do Evangelho. Afastam-se da verdade os que, sabendo que não temos aqui na terra uma cidade permanente, mas que vamos em demanda da futura, pensam que podem por isso descuidar os seus deveres terrenos, sem atenderem a que a própria fé ainda os obriga mais a cumpri-los, segundo a vocação própria de cada um. Mas não menos erram os que, pelo contrário, opinam poder entregar-se às ocupações terrenas, como se estas fossem inteiramente alheias à vida religiosa, a qual pensam consistir apenas no cumprimento dos actos de culto e de certos deveres morais. Este divórcio entre a fé que professam e o comportamento quotidiano de muitos deve ser contado entre os mais graves erros do nosso tempo. (…). Não se oponham, pois, infundadamente, as actividades profissionais e sociais, por um lado, e a vida religiosa, por outro. O cristão que descuida os seus deveres temporais, falta aos seus deveres para com o próximo e até para com o próprio Deus, e põe em risco a sua salvação eterna. (…)
As tarefas e actividades seculares competem como próprias, embora não exclusivamente, aos leigos. Por esta razão, sempre que, sós ou associados, actuam como cidadãos do mundo, não só devem respeitar as leis próprias de cada domínio, mas procurarão alcançar neles uma real competência. Cooperarão de boa vontade com os homens que prosseguem os mesmos fins. Reconhecendo quais são as exigências da fé, e por ela robustecidos, não hesitem, quando for oportuno, em idear novas iniciativas e levá-las a realização. Compete à sua consciência previamente bem formada, imprimir a lei divina na vida da cidade terrestre. Dos presbíteros, esperem os leigos a luz e força espiritual. Mas não pensem que os seus pastores estão sempre de tal modo preparados que tenham uma solução pronta para qualquer questão, mesmo grave, que surja, ou que tal é a sua missão. Antes, esclarecidos pela sabedoria cristã, e atendendo à doutrina do magistério, tomem por si mesmos as próprias responsabilidades.
Muitas vezes, a concepção cristã da vida incliná-los-á para determinada solução, em certas circunstâncias concretas. Outros fiéis, porém, com não menos sinceridade, pensarão diferentemente acerca do mesmo assunto, como tantas vezes acontece, e legitimamente. Embora as soluções propostas por uma e outra parte, mesmo independentemente da sua intenção, sejam por muitos facilmente vinculadas à mensagem evangélica, devem, no entanto, lembrar-se de que a ninguém é permitido, em tais casos, invocar exclusivamente a favor da própria opinião a autoridade da Igreja. Mas procurem sempre esclarecer-se mutuamente, num diálogo sincero, salvaguardando a caridade recíproca e atendendo, antes de mais, ao bem comum.
Os leigos, que devem tomar parte activa em toda a vida da Igreja, não devem apenas impregnar o mundo com o espírito cristão, mas são também chamados a serem testemunhas de Cristo, em todas as circunstâncias, no seio da comunidade humana.
Quanto aos bispos, a quem está confiado o encargo de governar a Igreja de Deus, preguem juntamente com os seus presbíteros a mensagem de Cristo de tal maneira que todas as actividades terrenas dos fiéis sejam penetradas pela luz do Evangelho. Lembrem-se, além disso, os pastores que, com o seu comportamento e solicitude quotidianos, manifestam ao mundo o rosto da Igreja com base no qual os homens julgam da força e da verdade da mensagem cristã. Com a sua vida e palavra, juntos com os religiosos e os seus fiéis, mostrem que a Igreja, com todos os dons que contém em si, é só pela sua simples presença uma fonte inexaurível daquelas virtudes de que tanto necessita o mundo de hoje. Por meio de assíduo estudo, tornem-se capazes de tomar parte no diálogo com o mundo e com os homens de qualquer opinião. Mas sobretudo, tenham no seu coração as palavras deste Concílio: «Dado que o género humano caminha hoje cada vez mais para a unidade civil, económica e social, tanto mais necessário é que os presbíteros em conjunto e sob a direcção dos bispos e do Sumo Pontífice, evitem todo o motivo de divisão, para que a humanidade toda seja conduzida à unidade da família de Deus».
Ainda que a Igreja, pela virtude do Espírito Santo, se tenha mantido esposa fiel do Senhor e nunca tenha deixado de ser um sinal de salvação no mundo, no entanto, ela não ignora que entre os seus membros, clérigos ou leigos, não faltaram, no decurso de tantos séculos, alguns que foram infiéis ao Espírito de Deus. E também nos nossos dias, a Igreja não deixa de ver quanta distância separa a mensagem por ela proclamada e a humana fraqueza daqueles a quem foi confiado o Evangelho. Seja qual for o juízo da história acerca destas deficiências, devemos delas ter consciência e combatê-las com vigor, para que não sejam obstáculo à difusão do Evangelho. Também sabe a Igreja quanto deve aprender com a experiência dos séculos, no que se refere ao desenvolvimento das suas relações com o mundo. Conduzida pelo Espírito Santo, a Igreja mãe «exorta sem cessar os seus filhos a que se purifiquem e renovem, para que o sinal de Cristo brilhe mais claramente no rosto da Igreja».

Ajuda que a Igreja recebe do mundo
44. Assim como é do interesse do mundo que ele reconheça a Igreja como realidade social da história e seu fermento, assim também a Igreja não ignora quanto recebeu da história e evolução do género humano.
A experiência dos séculos passados, os progressos científicos, os tesoiros encerrados nas várias formas de cultura humana, os quais manifestam mais plenamente a natureza do homem e abrem novos caminhos para a verdade, aproveitam igualmente à Igreja. Ela aprendeu, desde os começos da sua história, a formular a mensagem de Cristo por meio dos conceitos e línguas dos diversos povos, e procurou ilustrá-la com o saber filosófico. Tudo isto com o fim de “adaptar”(inculturar) o Evangelho à capacidade de compreensão de todos e às exigências dos sábios. Esta maneira “adaptada”(inculturada) de pregar a palavra revelada deve permanecer a lei de toda a evangelização. Deste modo, com efeito, suscita-se em cada nação a possibilidade de exprimir a mensagem de Cristo segundo a sua maneira própria, ao mesmo tempo que se fomenta um intercâmbio vivo entre a Igreja e as diversas culturas dos diferentes povos. Para aumentar este intercâmbio, necessita especialmente a Igreja - sobretudo hoje, em que tudo muda tão rapidamente e os modos de pensar variam tanto - da ajuda daqueles que, vivendo no mundo, conhecem bem o espírito e conteúdo das várias instituições e disciplinas, sejam eles crentes ou não. É dever de todo o Povo de Deus e sobretudo dos pastores e teólogos, com a ajuda do Espírito Santo, saber ouvir, discernir e interpretar as várias linguagens do nosso tempo, e julgá-las à luz da palavra de Deus, de modo que a verdade revelada possa ser cada vez mais intimamente percebida, melhor compreendida e apresentada de um modo conveniente.
Como a Igreja tem uma estrutura social visível, sinal da sua unidade em Cristo, pode também ser enriquecida, e de facto o é, com a evolução da vida social. Não porque falte algo na constituição que Cristo lhe deu, mas para mais profundamente a conhecer e melhor a exprimir e para a adaptar mais convenientemente aos nossos tempos. Ela verifica com gratidão que, tanto no seu conjunto como em cada um dos seus filhos, recebe variadas ajudas dos homens de toda a classe e condição. Na realidade, todos os que, de acordo com a vontade de Deus, promovem a comunidade humana no plano familiar, cultural, da vida económica e social e também política, seja nacional ou internacional, prestam não pequena ajuda à comunidade eclesial, na medida em que esta depende das realidades exteriores.
Mais ainda, a Igreja reconhece que muito aproveitou e pode aproveitar da própria oposição daqueles que a hostilizam e perseguem.»
2008-10-18
António Samelo

As apresentações podem ser descarregadas aqui e aqui.

segunda-feira, outubro 13

duas reflexões...

O Samelo enviou-nos, entretanto, dois textos para nos fazer reflectir: um, a propósito da Oração, referido pela Kuki na Celebração do 27º Domingo do Tempo Comum (5. Outº); o outro, da Gaudium et Spes (nº 88), na linha das leituras e da nossa reflexão de ontem.
Aqui ficam.


LER A BÍBLIA EM “LECTIO DIVINA” (= “LIÇÃO DIVINA”)

A “lectio divina”, mais do que um método de leitura, é uma forma de entrar em diálogo com a Palavra de Deus ou Bíblia. No encontro com a Bíblia acontece o mesmo que no encontro com as pessoas: só entrando no pensamento do outro se conhece a verdade. O encontro entre as pessoas supõe uma entrega mútua, um profundo diálogo existencial que se funda no acolhimento e no amor. Do mesmo modo, o encontro com a Palavra de Deus não é pleno se não se entrar neste clima de mútua entrega, de acolhimento, de amor, pois quando nos aproximamos da Bíblia não nos aproximamos de palavras vazias, mas d’Aquele que nos fala através da Sua Palavra.
A “lectio divina” supõe, pois, um encontro com Deus que nos fala através da Sua Palavra; um diálogo em que pouco a pouco vamos conhecendo o mistério de Cristo (São Jerónimo dizia: «desconhecer as Escrituras é desconhecer Cristo») e o coração de Deus (São Gregório Magno exortava: «conhece o coração de Deus através da Palavra de Deus»).

O itinerário da “lectio divina” tem quatro etapas:

1ª – LEITURA: é o ponto de partida e deve fazer-se com respeito. Consiste em ler e reler o texto, identificando os personagens e a acção, perguntando-se pelo contexto e pelos destinatários. Devem ter-se em conta os factores históricos (em que época se situa a acção? qual era a situação dos destinatários?), os literários (que recursos literários utiliza o autor? trata-se de um relato, de um poema, de um código legal...?) e teológicos [que experiência de fé transmite? que nos diz acerca de Deus, da(s) cultura(s), da história, de nós mesmos?]. É muito importante aproximar-se do texto sem preconceitos e sem projectar a nossa subjectividade. A pergunta que devemos fazer-nos nesta primeira etapa do itinerário é esta: o que é que, no seu contexto, o texto diz?

2ª – MEDITAÇÃO: a meditação consiste em absorver o texto até descobrir a mensagem que ele tem para nós. Na meditação há um diálogo entre o que Deus nos diz com a Sua Palavra e a nossa vida. A mensagem do texto ganha, deste modo, actualidade e converte-se numa mensagem para mim (nós). A meditação supõe um esforço de reflexão que põe em acção a nossa inteligência. A pergunta não é já: o que é que diz o texto no seu contexto, mas sim: o que é que o texto me (nos) diz na minha (nossa) situação?

3ª – ORAÇÃO: a leitura e meditação do texto conduzem-nos à oração. Com ela se inicia a terceira parte do diálogo. Até agora tentámos escutar Deus que nos fala pela Sua Palavra, mas esta escuta leva-nos ao encontro d’Aquele cuja Palavra escutámos. Na oração entra em jogo o coração e os sentimentos. É uma resposta muito nossa, que se exprime na súplica, no louvor, na acção de graças, no queixume... A pergunta aqui é: o que é que o texto me pede que diga a Deus?

4ª – CONTEMPLAÇÃO: é a etapa final de todo este caminho. Nela se transcende a multiplicidade de sentimentos e reflexões, para centrar a atenção no mistério de Jesus, o Filho de Deus; um mistério de que falam todas as páginas da Escritura e, dum modo especial, o Novo Testamento. Este encontro profundo proporciona um novo olhar sobre Deus, sobre a pessoa humana e sobre a(s) cultura(s) e revela o desígnio e a vontade de Deus. A contemplação não supõe, de nenhuma maneira, uma evasão da realidade, mas o entrar mais profundamente na história e no desígnio de Deus, levando-nos ao compromisso e à acção para tornar presente na(s) cultura(s) esse desígnio salvador: quem contempla transforma-se no contemplado: Cristo Jesus, a Palavra feita carne (cf Gl 2, 20).
(in: LA CASA DE LA BIBLIA, Curso de iniciação à leitura da Bíblia, Gráfica de Coimbra - Difusora Bíblica, Coimbra, 1996. p. 29)


28º DOMINGO DO TEMPO COMUM - Ano A
12 de Outubro de 2008

Is 25, 6-10a; Fl 4, 12-14.19-20; Mt 22, 1-14

Comentário:
«Os cristãos hão-de cooperar de bom grado e de todo o coração na construção da ordem internacional, com respeito sincero pelas legítimas liberdades e na amiga fraternidade de todos, e isto tanto mais quanto a maior parte do globo sofre ainda de tanta pobreza que o próprio Cristo, na pessoa dos pobres, apela em alta voz para a caridade dos seus discípulos. Não se dê, pois, aos homens o escândalo que consiste no facto de algumas nações, das quais muitas vezes a maioria dos habitantes se diz cristã, gozarem de abundância de bens, enquanto outras estão privadas dos bens mais necessários para vida e são atormentadas pela fome, pelas doenças e por toda espécie de miséria. O espírito de pobreza e de caridade são, com efeito, a glória e o sinal da Igreja de Cristo.
Devem, portanto, ser louvados e ajudados aqueles cristãos, sobretudo jovens, que se oferecem espontaneamente para prestar auxílio a outros homens e povos. Além disso, é dever de todo o Povo de Deus, precedido pelo exemplo e pela palavra dos Bispos, aliviar, na medida das suas forças, as misérias deste tempo, e isto, como era costume antigo da Igreja, não só com o supérfluo, mas também com o necessário.
Embora o modo de reunir e distribuir os auxílios não seja organizado de forma rígida e uniforme, deve contudo obedecer a uma recta ordem nas dioceses, nos países e em todo o mundo, e onde parecer oportuno, conjugando a acção dos católicos com a dos outros irmãos cristãos. Com efeito, o espírito de caridade, muito longe de se opor ao exercício prudente e ordenado da acção social e caritativa, antes o impõe. Por isso, é necessário que aqueles que pretendem dedicar-se ao serviço dos povos em vias de desenvolvimento, se formem adequadamente em institutos idóneos»
(Concílio Ecuménico Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 88).


O que nos une são os bens que se dividem e a renúncia por amor - nasce, então, um alento “católico”, universal, o sentido de pertencer não a uma sociedade esclerosada, mas a um organismo sadio no qual todas as partes reagem a qualquer desequilíbrio.

2008-10-13
António Samelo

domingo, outubro 12

"Muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos"

Iniciámos, hoje, a nossa Celebração pedindo:

"Ó Emanuel, Nosso Rei e Legislador,
Esperança e Salvador do Mundo:
Vem e Salva-nos, Senhor Nosso Deus!"
(Arvo Pärt, "Seven Magnificat Antiphons – O Immanuel", De Profundis – Theatre of Voices, dir. Paul Hillier)



Da comunhão da Palavra fomos convidados a reflectir a partir das seguintes passagens:

Isaías:
"enxugará as lágrimas de todas as faces e fará desaparecer da terra inteira o opróbio que pesa sobre o Seu povo."

São Paulo aos Filipenses:
[Sei viver com fome e em abundância, mas...] "fizestes bem em tomar parte na minha aflição. O meu Deus proverá com abundância a todas as vossas necessidades."

Evangelho de São Mateus
[Os convidados não eram dignos; por isso foram para o campo e para os seus negócios, em vez de ir ao banquete. Assim], "os servos reuniram todos os que encontraram, maus e bons. […] muitos são os chamados, poucos os escolhidos."

A partir destas passagens, as perguntas:
• qual é a condição para se ser convidado digno, para se ser eleito?
• aceitar o convite, vestir o traje certo. O que é isso?
A resposta a estas questões estará, parece-nos, numa afirmação de Bento Domingues, na sua habitual crónica dominical, no Público: "Se desistirmos de sonhar e trabalhar por um mundo em que não haja uns à mesa e outros à porta, é porque celebramos a Eucaristia em vão."

Para o momento da Acção de Graças, o José Filipe mandou-nos a reflexão que aqui deixamos, para todos a rezarmos:

"Eu e a oração

«Dentro de mim há um poço muito fundo. E lá dentro está Deus. Às vezes consigo lá chegar. Mas acontece mais frequentemente haver pedras e cascalho no poço, e aí Deus está soterrado. Então é preciso desenterrá-lo. Imagino que há pessoas que rezam com os olhos apontados ao céu. Esses procuram Deus fora de si. Há igualmente pessoas que curvam profundamente a cabeça e a escondem nas mãos, penso que essas procuram Deus dentro de si.» (Etty Hillesum, “Diário”, 26 de Agosto de 1941)
Se me pedissem para escolher uma dimensão da minha fé que sinto estar menos amadurecida, não hesitaria muito em escolher a oração. Durante muito tempo rezei pouco e na verdade ainda não posso dizer o contrário. As propostas mais intimistas, do género “vamos pensar que Jesus está aqui a falar connosco”, nunca surtiram efeito em mim e talvez por reacção epidérmica dediquei à oração pouco tempo. Gostava bem mais de uma reunião de equipa do MCE onde discutíamos a nossa vida na escola do que de propostas para meditar. Sempre senti que isso me aproximava mais de Deus do que se imaginasse que Ele estava ali ao meu lado. A verdade é que nós não possuímos Deus – podemos sim procurá-Lo na nossa história. E para isso a discussão sempre me ajudou mais do que o silêncio. Talvez eu seja mais do primeiro tipo de orante que Etty Hillesum refere, daqueles que procuram Deus fora de si.
Nalgumas alturas sinto necessidade de fazer silêncio de forma mais assídua. Desligar durante uns minutos os pensamentos mais imediatos que nos atravessam a mente. Isso é oração? Depois leio algum poema ou um texto bíblico e saboreio. Isso é oração? Não sei, mas acho que me ajuda a desenterrar o “cascalho no fundo poço” de que Etty fala, a recentrar a minha vida e as minhas preocupações no meio das “pedras” do caminho do dia-a-dia. E isso pode ser oração se nos ajudar a viver segundo o estilo de vida de Jesus, segundo o seu Espírito.
Talvez aquela pergunta dos apóstolos ao mestre seja mesmo a pergunta essencial: “Mestre ensina-nos a rezar”. Porque o melhor que conseguimos é ir tentando aprender a rezar, tentando viver de forma mais orante, mais aberta ao mistério do Bem. Também na nossa oração percebemos que participamos já nesse mistério, mas que ainda não O podemos conhecer plenamente. Deixo-vos pois uma oração da Etty Hillesum, que gosto de ler nas minhas tentativas de oração:
«Ó Deus, deixa-me ser assimilada por um grande sentimento uno. Permite-me que eu faça as milhentas coisas quotidianas com amor, mas faz com que cada pequeno acto nasça de um grande sentimento central de disponibilidade e de amor.»
Zé Filipe, Lisboa, 8 de Outubro de 2008

segunda-feira, outubro 6

"Mestre, ensina-nos a rezar"

É este o grande desafio lançado à Comunidade para o ano que estamos a iniciar.

Começámos, então, na Celebração de hoje, rezando com música. Foi este o nosso Kyrie (um trecho do Requiem, de Mozart, intitulado Lacrimosa):



Depois, a Kuki propos-nos uma actualização da 2ª Leitura, da carta de São Paulo aos Filipenses. Rezámo-la assim:

Não nos inquietemos com coisa alguma.
Mas, em todas as circunstâncias,
apresentemos os nossos pedidos diante de Deus,
com orações, súplicas e acções de graças.
E a paz de Deus, que está acima de toda a inteligência,
guardará os nossos corações
e os nossos pensamentos em Cristo Jesus.
Quanto ao resto
tudo o que é verdadeiro e nobre,
tudo o que é justo e puro,
tudo o que é amável e de boa reputação,
tudo o que é virtude e digno de louvor
é o que devemos ter no pensamento.
O que aprendemos, recebemos, ouvimos e vimos n’Ele
é o que devemos praticar.
E o Deus da paz estará connosco.
(Carta de São Paulo aos Filipenses 4, 6-9)

Já no momento de Acção de Graças, ela trouxe-nos este belíssimo hino (letra – Folliot S. Pierpoint; música – John Rutter)



For the beauty of the earth
For the beauty of the skies
For the love
which from our birth
Over and around us lies
Over and around us lies
Lord of all to thee we raise
This our joyful hymn of praise

For the beauty of each hour
Of the day and of the night
Hill and vale
And tree and flower
Sun and moon and stars of light
Sun and moon and stars of light
Lord of all to thee we raise
This our joyful hymn of praise

For the joy of human love
Brother, sister, parent, child
Friends on earth
And friends above
For all gentle thoughts and mild
For all gentle thoughts and mild
Lord of all to thee we raise
This our joyful hymn of praise

For each perfect gift of thine
To our race so freely given
Graces human and divine
Flow'rs of earth and buds of heav'n
Flow'rs of earth and buds of heav'n
Lord of all to thee we raise
This our joyful hymn, our joyful hymn of praise
This our joyful hymn of praise