segunda-feira, outubro 13

duas reflexões...

O Samelo enviou-nos, entretanto, dois textos para nos fazer reflectir: um, a propósito da Oração, referido pela Kuki na Celebração do 27º Domingo do Tempo Comum (5. Outº); o outro, da Gaudium et Spes (nº 88), na linha das leituras e da nossa reflexão de ontem.
Aqui ficam.


LER A BÍBLIA EM “LECTIO DIVINA” (= “LIÇÃO DIVINA”)

A “lectio divina”, mais do que um método de leitura, é uma forma de entrar em diálogo com a Palavra de Deus ou Bíblia. No encontro com a Bíblia acontece o mesmo que no encontro com as pessoas: só entrando no pensamento do outro se conhece a verdade. O encontro entre as pessoas supõe uma entrega mútua, um profundo diálogo existencial que se funda no acolhimento e no amor. Do mesmo modo, o encontro com a Palavra de Deus não é pleno se não se entrar neste clima de mútua entrega, de acolhimento, de amor, pois quando nos aproximamos da Bíblia não nos aproximamos de palavras vazias, mas d’Aquele que nos fala através da Sua Palavra.
A “lectio divina” supõe, pois, um encontro com Deus que nos fala através da Sua Palavra; um diálogo em que pouco a pouco vamos conhecendo o mistério de Cristo (São Jerónimo dizia: «desconhecer as Escrituras é desconhecer Cristo») e o coração de Deus (São Gregório Magno exortava: «conhece o coração de Deus através da Palavra de Deus»).

O itinerário da “lectio divina” tem quatro etapas:

1ª – LEITURA: é o ponto de partida e deve fazer-se com respeito. Consiste em ler e reler o texto, identificando os personagens e a acção, perguntando-se pelo contexto e pelos destinatários. Devem ter-se em conta os factores históricos (em que época se situa a acção? qual era a situação dos destinatários?), os literários (que recursos literários utiliza o autor? trata-se de um relato, de um poema, de um código legal...?) e teológicos [que experiência de fé transmite? que nos diz acerca de Deus, da(s) cultura(s), da história, de nós mesmos?]. É muito importante aproximar-se do texto sem preconceitos e sem projectar a nossa subjectividade. A pergunta que devemos fazer-nos nesta primeira etapa do itinerário é esta: o que é que, no seu contexto, o texto diz?

2ª – MEDITAÇÃO: a meditação consiste em absorver o texto até descobrir a mensagem que ele tem para nós. Na meditação há um diálogo entre o que Deus nos diz com a Sua Palavra e a nossa vida. A mensagem do texto ganha, deste modo, actualidade e converte-se numa mensagem para mim (nós). A meditação supõe um esforço de reflexão que põe em acção a nossa inteligência. A pergunta não é já: o que é que diz o texto no seu contexto, mas sim: o que é que o texto me (nos) diz na minha (nossa) situação?

3ª – ORAÇÃO: a leitura e meditação do texto conduzem-nos à oração. Com ela se inicia a terceira parte do diálogo. Até agora tentámos escutar Deus que nos fala pela Sua Palavra, mas esta escuta leva-nos ao encontro d’Aquele cuja Palavra escutámos. Na oração entra em jogo o coração e os sentimentos. É uma resposta muito nossa, que se exprime na súplica, no louvor, na acção de graças, no queixume... A pergunta aqui é: o que é que o texto me pede que diga a Deus?

4ª – CONTEMPLAÇÃO: é a etapa final de todo este caminho. Nela se transcende a multiplicidade de sentimentos e reflexões, para centrar a atenção no mistério de Jesus, o Filho de Deus; um mistério de que falam todas as páginas da Escritura e, dum modo especial, o Novo Testamento. Este encontro profundo proporciona um novo olhar sobre Deus, sobre a pessoa humana e sobre a(s) cultura(s) e revela o desígnio e a vontade de Deus. A contemplação não supõe, de nenhuma maneira, uma evasão da realidade, mas o entrar mais profundamente na história e no desígnio de Deus, levando-nos ao compromisso e à acção para tornar presente na(s) cultura(s) esse desígnio salvador: quem contempla transforma-se no contemplado: Cristo Jesus, a Palavra feita carne (cf Gl 2, 20).
(in: LA CASA DE LA BIBLIA, Curso de iniciação à leitura da Bíblia, Gráfica de Coimbra - Difusora Bíblica, Coimbra, 1996. p. 29)


28º DOMINGO DO TEMPO COMUM - Ano A
12 de Outubro de 2008

Is 25, 6-10a; Fl 4, 12-14.19-20; Mt 22, 1-14

Comentário:
«Os cristãos hão-de cooperar de bom grado e de todo o coração na construção da ordem internacional, com respeito sincero pelas legítimas liberdades e na amiga fraternidade de todos, e isto tanto mais quanto a maior parte do globo sofre ainda de tanta pobreza que o próprio Cristo, na pessoa dos pobres, apela em alta voz para a caridade dos seus discípulos. Não se dê, pois, aos homens o escândalo que consiste no facto de algumas nações, das quais muitas vezes a maioria dos habitantes se diz cristã, gozarem de abundância de bens, enquanto outras estão privadas dos bens mais necessários para vida e são atormentadas pela fome, pelas doenças e por toda espécie de miséria. O espírito de pobreza e de caridade são, com efeito, a glória e o sinal da Igreja de Cristo.
Devem, portanto, ser louvados e ajudados aqueles cristãos, sobretudo jovens, que se oferecem espontaneamente para prestar auxílio a outros homens e povos. Além disso, é dever de todo o Povo de Deus, precedido pelo exemplo e pela palavra dos Bispos, aliviar, na medida das suas forças, as misérias deste tempo, e isto, como era costume antigo da Igreja, não só com o supérfluo, mas também com o necessário.
Embora o modo de reunir e distribuir os auxílios não seja organizado de forma rígida e uniforme, deve contudo obedecer a uma recta ordem nas dioceses, nos países e em todo o mundo, e onde parecer oportuno, conjugando a acção dos católicos com a dos outros irmãos cristãos. Com efeito, o espírito de caridade, muito longe de se opor ao exercício prudente e ordenado da acção social e caritativa, antes o impõe. Por isso, é necessário que aqueles que pretendem dedicar-se ao serviço dos povos em vias de desenvolvimento, se formem adequadamente em institutos idóneos»
(Concílio Ecuménico Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 88).


O que nos une são os bens que se dividem e a renúncia por amor - nasce, então, um alento “católico”, universal, o sentido de pertencer não a uma sociedade esclerosada, mas a um organismo sadio no qual todas as partes reagem a qualquer desequilíbrio.

2008-10-13
António Samelo

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