domingo, outubro 12

"Muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos"

Iniciámos, hoje, a nossa Celebração pedindo:

"Ó Emanuel, Nosso Rei e Legislador,
Esperança e Salvador do Mundo:
Vem e Salva-nos, Senhor Nosso Deus!"
(Arvo Pärt, "Seven Magnificat Antiphons – O Immanuel", De Profundis – Theatre of Voices, dir. Paul Hillier)



Da comunhão da Palavra fomos convidados a reflectir a partir das seguintes passagens:

Isaías:
"enxugará as lágrimas de todas as faces e fará desaparecer da terra inteira o opróbio que pesa sobre o Seu povo."

São Paulo aos Filipenses:
[Sei viver com fome e em abundância, mas...] "fizestes bem em tomar parte na minha aflição. O meu Deus proverá com abundância a todas as vossas necessidades."

Evangelho de São Mateus
[Os convidados não eram dignos; por isso foram para o campo e para os seus negócios, em vez de ir ao banquete. Assim], "os servos reuniram todos os que encontraram, maus e bons. […] muitos são os chamados, poucos os escolhidos."

A partir destas passagens, as perguntas:
• qual é a condição para se ser convidado digno, para se ser eleito?
• aceitar o convite, vestir o traje certo. O que é isso?
A resposta a estas questões estará, parece-nos, numa afirmação de Bento Domingues, na sua habitual crónica dominical, no Público: "Se desistirmos de sonhar e trabalhar por um mundo em que não haja uns à mesa e outros à porta, é porque celebramos a Eucaristia em vão."

Para o momento da Acção de Graças, o José Filipe mandou-nos a reflexão que aqui deixamos, para todos a rezarmos:

"Eu e a oração

«Dentro de mim há um poço muito fundo. E lá dentro está Deus. Às vezes consigo lá chegar. Mas acontece mais frequentemente haver pedras e cascalho no poço, e aí Deus está soterrado. Então é preciso desenterrá-lo. Imagino que há pessoas que rezam com os olhos apontados ao céu. Esses procuram Deus fora de si. Há igualmente pessoas que curvam profundamente a cabeça e a escondem nas mãos, penso que essas procuram Deus dentro de si.» (Etty Hillesum, “Diário”, 26 de Agosto de 1941)
Se me pedissem para escolher uma dimensão da minha fé que sinto estar menos amadurecida, não hesitaria muito em escolher a oração. Durante muito tempo rezei pouco e na verdade ainda não posso dizer o contrário. As propostas mais intimistas, do género “vamos pensar que Jesus está aqui a falar connosco”, nunca surtiram efeito em mim e talvez por reacção epidérmica dediquei à oração pouco tempo. Gostava bem mais de uma reunião de equipa do MCE onde discutíamos a nossa vida na escola do que de propostas para meditar. Sempre senti que isso me aproximava mais de Deus do que se imaginasse que Ele estava ali ao meu lado. A verdade é que nós não possuímos Deus – podemos sim procurá-Lo na nossa história. E para isso a discussão sempre me ajudou mais do que o silêncio. Talvez eu seja mais do primeiro tipo de orante que Etty Hillesum refere, daqueles que procuram Deus fora de si.
Nalgumas alturas sinto necessidade de fazer silêncio de forma mais assídua. Desligar durante uns minutos os pensamentos mais imediatos que nos atravessam a mente. Isso é oração? Depois leio algum poema ou um texto bíblico e saboreio. Isso é oração? Não sei, mas acho que me ajuda a desenterrar o “cascalho no fundo poço” de que Etty fala, a recentrar a minha vida e as minhas preocupações no meio das “pedras” do caminho do dia-a-dia. E isso pode ser oração se nos ajudar a viver segundo o estilo de vida de Jesus, segundo o seu Espírito.
Talvez aquela pergunta dos apóstolos ao mestre seja mesmo a pergunta essencial: “Mestre ensina-nos a rezar”. Porque o melhor que conseguimos é ir tentando aprender a rezar, tentando viver de forma mais orante, mais aberta ao mistério do Bem. Também na nossa oração percebemos que participamos já nesse mistério, mas que ainda não O podemos conhecer plenamente. Deixo-vos pois uma oração da Etty Hillesum, que gosto de ler nas minhas tentativas de oração:
«Ó Deus, deixa-me ser assimilada por um grande sentimento uno. Permite-me que eu faça as milhentas coisas quotidianas com amor, mas faz com que cada pequeno acto nasça de um grande sentimento central de disponibilidade e de amor.»
Zé Filipe, Lisboa, 8 de Outubro de 2008

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