domingo, março 23
À procura da Palavra - DOMINGO DE PÁSCOA Ano A
P. Vítor Gonçalves
"A vossa vida
está escondida com Cristo em Deus."
Col 1,3
O princípio sem fim
Ainda que as trevas proclamem vitória,
o grande segredo da noite
é estar grávida do amanhecer.
Ainda que o poder exerça o domínio,
o humilde segredo das sementes
é conterem o futuro.
Ainda que a injustiça se espalhe,
o surpreendente segredo da verdade
é quem a ama e por ela dá a vida.
Ainda que a violência esmague,
o sublime segredo da farinha
é tornar possível o pão.
Ainda que os amigos vacilem,
o firme segredo do amor
é fazer do perdão uma porta aberta.
Ainda que as lágrimas irrompam,
o sereno segredo da paz
é dar horizontes ao coração.
Ainda que as prisões desesperem,
o subtil segredo da liberdade
é quebrar todas as pedras de sepulcro.
Ainda que o fim se imponha
o feliz segredo de Jesus
é dar-nos eternidade.
Jesus Ressuscitado
Revelas o meu ser verdadeiro,
mistério total só
no abraço do Pai,
mas cheio desta certeza
de ser amado
porque me amas até ao fim.
Em Ti,
sou amanhecer
para abraçar e partilhar o que é belo;
sou semente
para morrer e dar vida em meus gestos;
aspiro à verdade
para que a vontade do Pai aconteça;
sou farinha
para que ninguém morra de fome;
quero amar
para que tudo seja milagre;
escolho a paz
para que os abraços vençam as armas;
luto pela liberdade
para que todos tenham luz;
e sigo-Te
para multiplicar os princípios
que a tua Páscoa
inaugurou no tempo!
* Poema partilhado pelas Irmãs Doroteias, da Obra Social Pauto VI (Lisboa) - Páscoa 2008
domingo, março 16
Domingo de Ramos
Nas “cartas da prisão” Paulo concentra a sua atenção mais directamente no “Mistério de Cristo”, considerado como o centro de todo o plano salvífico de Deus, já desde a criação: esta é a razão profunda pela qual o Ressuscitado não é apenas do passado como os outros enviados de Deus no AT, mas permanece ponto de referência quer para a escatologia quer para o presente da vida cristã - Cristo é o Alfa e o Omega.
A centralidade do mistério de Cristo e as suas implicações surgem com clareza nos grandes “Hinos cristológicos” em Fil 2, 6-11; Col 1, 15-20; Ef 1, 3-14.
* expressões raras e de características não paulinas;
* particularidade estilística no ritmo e andamento das estrofes.
Entretanto, “Paulo” fê-lo seu e adaptou-o ao contexto da sua carta com reflexões pessoais → fê-lo tornar-se significativo na sua própria visão cristológica.
Divisão do hino em duas estrofes:
* Na 1ª (vv. 6-8)
é dominante o movimento de descida = abaixamento da incarnação, da história humana de Jesus, humilhação da cruz, isto é, Jesus renunciou a aparecer na glória da divindade para viver a vida comum da humanidade, com tudo o que ela comportava; “esvaziou-se” = tal como o “Servo de Javé” Jesus não percorre o caminho da afirmação gloriosa de Si, mas o da humildade, do ocultamento, do sofrimento: ao contrário de Adão que buscou a sua realização desobedecendo a Deus, Jesus “humilhou-se” na obediência – doação ao Pai que chega ao auge na morte de cruz (= um dos temas centrais de pregação de Paulo quer em Filipos quer na Galácia – cf. Gal 3, 1.13; 1 Cor 1 — 2).
Na “kenosis” de Cristo (nota dominante no hino) sublinha-se não tanto o sentido de que Deus incarnou, mas o sentido de que Deus tendo decidido incarnar (e podia tê-lo feito com uma humanidade fora da nossa história não sujeita à caducidade, à necessidade, à morte = uma condição humana ao nível da Sua condição divina), preferiu uma condição humana em tudo semelhante à nossa (a afirmação do “esvaziamento” faz de antítese quer à afirmação inicial “condição divina” quer à afirmação final “Jesus é o Senhor”).
* Na 2ª (vv. 9-11)
é dominante o movimento de subida = exaltação, glorificação, isto é, referência aos factos que se seguiram à morte de cruz (= ressurreição e ascensão) = àquele que é “exaltado” (note-se que o verbo escolhido é reforçado com uma proposição e como tal sugere que a exaltação supera todo o limite quando confrontada com as humilhações descritas nos vv. anteriores) é conferido um “nome” (= dignidade, autoridade, poder segundo o uso semita do termo) que é superior a qualquer outro que possa ser pronunciado no universo e esse “nome” é o de “Kyrios” (= termo com que os LXX traduzem “Javé”): esta profissão de fé é essencial para qualquer comunidade cristã (cf. Rom 10, 9; 1 Cor 12, 3) - é ela que caracteriza o povo da nova Aliança tal como caracterizava o povo da antiga Aliança [cf. Act 2, 21; 4, 12; 9, 14; 1 Cor 1, 2 – Sl 99 (98), 6] = = face aos reis e imperadores do mundo helenista Jesus é o único e verdadeiro “Kyrios”.
Mas entre estas duas perspectivas (= movimentos) não há corte, antes uma ligação profunda, pois a 2ª é originada pela 1ª (= “por isso”, início do v. 9): é precisamente no ponto mais profundo do “esvaziamento” (= morte de cruz), que se inicia o movimento ascensional = a exaltação de Cristo é fruto do Seu abaixamento e obediência.
DUAS OBSERVAÇÕES:
1ª - No hino não é descrita primariamente a estrutura da pessoa de Jesus, mas sobretudo o caminho que percorreu, a história da qual foi protagonista: é a partir daqui que se pode compreender “quem é” Cristo e aprofundar a Sua realidade última pessoal.
2ª - Não pode ser descurada a amplidão da história e do acontecimento de Jesus, isto é, a Sua condição junto de Deus, a Sua vinda à história da humanidade, a vida obediente, a cruz, a exaltação = o “mistério de Cristo” está encerrado entre o “ter condição divina” e o “tomar a semelhança humana”, entre o ser “servo” e o ser “Senhor”, e cujo conteúdo, como esclarece Paulo, não pode ser dado, prescindindo do acontecimento histórico, concreto de Cristo cujo centro é a Páscoa: esta é a “charneira” entre o “esvaziamento” e a “exaltação”, é o “auge” do “esvaziamento” e da “exaltação”.
Neste contexto
é afirmada claramente a divindade de Jesus = na Sua glorificação herdou o próprio “nome” de Deus: enquanto Adão, não sendo Deus, quis ter os privilégios divinos, Jesus sendo o Filho (cf. final do hino: “glória de Deus, o Pai”) renunciou e partilhou a nossa situação mortal, manifestando deste modo o Seu ser Deus (= um Deus connosco, que morre por nós) → revela a grandeza do amor do Pai e ensina-nos a fazer o mesmo (cf. Fil 2, 2-5), e
é afirmada também a pré-existência: “Ele tinha a condição divina”.
Olá amigo e amiga! De novo me ponho em contacto contigo. Já percebeste que gosto de comunicar. Já terás notado que durante a Minha vida terrena Eu nunca escrevi nada. É verdade que frequentei a escola, onde aprendi a ler e escrever.
Durante a Minha vida pública preferia falar, falar muito, porque Eu sou o Verbo, a Palavra do Pai. Porém, os Meus discípulos encarregaram-se de escrever parte do que Eu disse e fiz, e isso encontra-lo nos Evangelhos. Só uma vez, quando queriam apedrejar uma pobre mulher, surpreendida em adultério, diante da algazarra daquela gente e das perguntas maldosas, Me inclinei e escrevi umas palavras no chão.
Foi apenas um sinal, uma mensagem de amor. Mas logo se apagaram com o pisar das pessoas. Pelo menos parece que ficaram gravadas nos seus corações, pois nada fizeram contra aquela pobre mulher. Somos muito duros na hora de julgar… e custa-nos muito perdoar.
Hoje desejaria falar-te da MINHA SEMANA SANTA.
Sim, esta Semana podemos considerá-la mais Minha do que as outras, pois vou celebrar com os Meus amigos acontecimentos muito importantes da Minha vida e de todos os que Me seguem. Nesses dias, em muitos lugares, levam-Me para as ruas com uma imensa variedade de imagens. Vou ocupar o centro de muitos olhares, vou ser o protagonista.
O mesmo que aconteceu na Semana da minha Paixão e Morte! Também fui o centro de muitos olhares. Alguns partilharam coMigo certos acontecimentos. Outros contemplaram-Me calados. Outros planearam o modo de Me matar. A multidão, desconcertada, deixou-se levar pelos do costume. Realmente foi uma Semana de alegrias e de dores profundas. Entrei alegre em Jerusalém, a cidade santa, e uma grande multidão acompanhou-Me com palmas e ramos de oliveira. Celebrei a Última Ceia com os Meus Apóstolos num ambiente íntimo, profundo, de grande tensão... Falei muito de amor, de fraternidade, de unidade:
* aí fiz a minha maior loucura de amor: o milagre da Eucaristia para poder estar sempre convosco;
* aí quis dar um exemplo concreto de humildade e de serviço, lavando os pés aos Meus amigos;
* aí insisti muito que o mandamento principal do cristão e da cristã é amar com a Minha medida...;
* aí provei a dor profunda da traição de um dos Meus Apóstolos.
Assim são as coisas humanas. E assim é o respeito que meu Pai e Eu temos pela pessoa humana.
Seguiu-se aquela oração dramática no Jardim das Oliveiras... E tudo o que tu já sabes. Já podes imaginar a dor moral e física para um Coração que só quer amar a pessoa humana e salvá-la do pecado. E a pessoa, as pessoas não aceitaram os planos de Deus Meu Pai. Nesta Semana Santa, vamos celebrar outra vez todos esses acontecimentos, mas gostaria que os celebrasses com um sentimento de acção de graças à vontade do Pai: não se trata de Me exibirem em cruzes e cenas comoventes para provocar sentimentalismo.
Gostaria que a Semana Santa servisse para compreender a gravidade do pecado, isto é, do dizer não ao amor que Eu, o Pai e o Espírito Santo somos, ao amor a nós próprios, aos outros e à natureza. Foi precisamente o pecado que provocou tudo o que nesses dias vamos celebrar. Eu dir-Te-ia mais: que esta Semana Santa sirva também para compreender e saborear como é muito, muito grande a misericórdia de Deus. O muito que Eu, o Pai e o Espírito Santo amamos a pessoa humana que é a Nossa imagem. É que onde abundou o pecado, superabundou a misericórdia! A Nossa bondade não consiste em colocar-se na classe dos “bons”, mas na de “más companhias”, estando ao lado e lutando em favor de quem é marginalizado, excomungado, e condenado.
Sim, grava bem no teu coração: tudo o que Eu fiz, e que vai ser celebrado em tantas igrejas, ruas e praças durante esses dias, foi por ti, e por todas as pessoas. Pelas que me conhecem e me traem, e pelas que não têm a mínima ideia de quem sou Eu. Não me importa. Eu amo-as a todas. Não desejaria nesses dias servir de espectáculo para que aqueles e aquelas que não pensam como Eu ou que não Me conhecem se divirtam ou se danem. Eu sou o rosto pelo qual o Pai se quer fazer invocar, sou a semântica do nome de Deus.
Eu escrevo-te para te pedir uma coisa: se queres realmente dar-Me uma alegria, ajuda-Me a levar a cruz pesada do pecado que vai destruindo a pessoa humana.
Dói-me, mas vamos conquistar o coração dos que se afastaram, dos indiferentes, dos fanáticos, dos hipócritas, dos que negoceiam... Eu quero consolar e fortalecer os bons sentimentos de mudança de vida daqueles e daquelas que sabem valorizar o que o Pai, o Filho e o Espírito Santo fazem para os servir e ajudar a serem melhores.
Gostaria que esta Semana Santa fosse realmente Santa, isto é, em união coMigo e transformadora do mundo. Segue-Me e vamos percorrer juntos o caminho do Calvário. Depois ver-nos-emos na Ressurreição para juntos nos alegrarmos e cantarmos que a Vida é mais forte que a morte!
Um abraço. Não me abandones.
O teu amigo JESUS
segunda-feira, março 3
"... a poesia nunca acabou."
IV DOMINGO DA QUARESMA
O discurso científico maneja conceitos “claros e distintos”, mas essa linguagem não chega para exprimir o sentido da vida. Por isso, uma vez começada, a poesia nunca acabou. Os evangelhos sinópticos contam que Jesus “ensinava muitas coisas em parábolas” (Marc 4,2), o evangelho de S. João põe na boca de Jesus imagens que encontram eco no mais fundo de nós mesmos: o alto e o baixo, o novo e o antigo, a luz e as trevas, o deserto onde se morre à sede e a água viva que brota fresca duma fonte. Ele próprio, Jesus, é para todos nós o caminho, a verdade e a vida (Jo 14,6).
O Evangelho desta missa narra que “ao passar, Jesus viu um homem cego de nascença. Os discípulos perguntaram-lhe, então: «Rabi, quem pecou, para este homem ter nascido cego? Ele, ou os seus pais?»”(Jo 9,1-2). É uma pergunta típica de certa mentalidade religiosa: tudo deve ter explicação, mas sobretudo o que nos magoa. Não tendo encontrado resposta, os judeus começaram a pensar que tudo é decidido por Deus, e que as doenças são enviadas como castigo de algum pecado. Jesus nunca explicou o porquê do mal, mas rejeita esta atitude. Responde, suponho que de maneira sacudida, que não tinha havido pecado, nem por parte do cego, nem por parte dos pais; mas que nele se vai manifestar, agora, o poder de Deus. Então, numa espécie de anti-medicina, cuspiu no chão, fez lodo com a saliva, colocou-o nos olhos do cego e mandou que se fosse lavar à piscina de Siloé. Ele foi, e ficou a ver. Entendeu que tinha sido curado por um milagre, realizado “por aquele homem chamado Jesus”(9,11), a quem só conhecia pela voz, e fez disso propaganda. Mas os fariseus julgam doutra maneira: “Esse homem não pode ser de Deus, porque não guarda o sábado.”(9,16). Era, de facto, sábado nesse dia. Interrogam os pais do antigo cego, que se esquivam por medo. Sabiam que os fariseus tinham decidido expulsar da sinagoga quem apoiasse Jesus. Interrogam-no a ele, e lançam-no fora porque teima em afirmar que um homem que cura um cego de nascença só pode ser de Deus. Então Jesus procura-o e incita-o a acreditar de vez: “O Filho do Homem, o Messias, sou eu que falo contigo”. Depois, tem um desabafo de tristeza: “Eu vim a este mundo provocar uma divisão: os que não viam vêem; os que viam ficam cegos.” (9,37-39). Entendemos que compara a recusa ou a incapacidade de acreditar em Deus a uma cegueira; e a conversão a uma entrada na luz.
O ser humano foi feito para a verdade e para o amor, mas encontra-se envolvido nas trevas da ignorância e do erro, do egoísmo e da solidão. Acreditar é-lhe difícil, escaldado que se sente pela recusa dos homens e pelo silêncio de Deus. Por que é que Deus permite o mal?
Só nos foi dada uma espécie de resposta. Na Pessoa do Filho, Deus veio também a este mundo. Quis experimentar na sua carne aquilo que nos tinha pedido. A resposta à nossa pergunta está no seu exemplo de vida.
Neste mundo, Ele viveu entre os pobres, os marginalizados e os pecadores. Amou a todos, “até ao fim”. Aceitou carregar nos seus ombros o desdém, a inimizade, a injustiça e a morte na cruz. Disse-nos, desta maneira, que tem sentido viver neste mundo inquinado pelo mal. Chegou a dizer que são felizes, “bem-aventurados”, aqueles que vivem e morrem amando como Ele amou (Mat 5,1-12). Prometeu que uma vida e uma morte como essas conduzem, não ao abismo do nada, mas à vida sem fim (Mat 25,31-46).
Como acreditar neste discurso, que parece fantástico? Ele fez “sinais”. (S. João não fala de “milagres”, fala de “sinais”). Mas, face ao mal do mundo, que é quase infinito, queríamos infinitos sinais. E achamos, como os fariseus, que “Este homem não pode ser de Deus, porque…”. Felizes de nós se um dia entendermos que o sinal infinito é o do seu amor “até ao fim”.“A todos os que o receberam, e acreditaram nele, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1,12).
O encontro com Deus é um dom. Não julgamos quem (ainda) não acreditou, damos graças por aqueles que acreditaram, e passaram a “ver”.
2 de Março de 2008 - Pe. João Resina Rodrigues