domingo, janeiro 27
Reflexões - propostas
O primeiro texto, de Leonardo Boff, desafia-nos a "¿Hacer una parada? Ahí está el secreto de la felicidad y de la ansiada paz interior."
O segundo, do Anselmo Borges, fala-nos da "existência solidária" a que todos, crentes e não crentes, somos desafiados... "Crentes e não crentes precisam de viver de tal modo que para todos a vida seja mais feliz ou, pelo menos, menos infeliz. Nesse existir solidário, poderá vir a experienciar-se o Mistério último como Anti-mal solidário e compassivo."
Boas leituras.
Cordeiro de Deus
(Cântico para a Comunhão)
Mataram-nO um dia de madrugada
Quando os homens dormem
Quando os galos cantam.
MATARAM-NO UM DIA DE MADRUGADA
Atacaram Seu corpo numa manhã
Repartiram Sua roupa
Sortearam Sua capa.
MATARAM-NO UM DIA DE MADRUGADA
Por todos os caminhos Sua voz gritava
As verdades que ferem
As verdades que salvam.
MATARAM-NO UM DIA DE MADRUGADA
Ofereceram dinheiro e “fidalguias”
P’ra ocultar mentiras
Para inventar palavras.
MATARAM-NO UM DIA DE MADRUGADA
O mundo não perdoa a quem não engana.
Arrasaram Sua casa
Deixaram-nO sem nada.
MATARAM-NO UM DIA DE MADRUGADA
Porém Sua voz ressoa
Pelas montanhas...
Seguiremos cantando
Seguiremos sonhando
Seguiremos vivendo
Com Sua Palavra.
Ricardo Cantapiedra
No caso de Jesus, não se pode falar de vocação. D’Ele não se pode dizer que «foi chamado do seio materno», como aconteceu com os grandes profetas.
O evangelista João, em vez da vocação, apresenta-nos a missão de Jesus, e a figura que ele usa é a do «Cordeiro de Deus» (Jo 1, 36b).
Havia muitas outras figuras que se poderiam usar para definir a missão que Jesus estava para realizar. Poder-se-ia dizer que tinha chegado o legislador, o juiz, o dominador, o rei... Em vez disso, no início do Evangelho, João Baptista apresenta-no-lO como «o Cordeiro de Deus». Segundo ele, esta expressão resume melhor do que as outras aquilo que Jesus irá fazer.
Lembremo-nos do que aconteceu no Egipto durante a noite da libertação dos israelitas da escravidão do faraó: todas as famílias tinham imolado um cordeiro e tinham marcado com sangue os umbrais das portas. Esse sangue salvou-os do extermínio.
Ao apresentar Jesus como Cordeiro, João quer confirmar que Ele veio para dar a Sua vida. O Seu sangue liberta as pessoas do pecado e das forças do mal que conduzem à morte.
Também o «Servo do Senhor» (cf Is 49, 3.5-6) é comparado a um cordeiro. O profeta apresenta-O desta maneira: «como cordeiro conduzido ao matadouro, como ovelha muda diante dos seus tosquiadores» (Is 53,7).
É a imagem de Jesus que, com o Seu sacrifício na cruz, Se torna o verdadeiro Cordeiro pascal que destrói para sempre o pecado do mundo. O seu sacrifício traz à humanidade luz, salvação e paz.
(in: ARMELLINI Fernando, O Banquete da Palavra: comentário às leituras dominicais - ano A, Edições Paulinas, Lisboa, 1995, pp. 208-209 - adaptado)
A partilha do pão e do vinho consagrados
O «sinal da paz» acaba de exprimir que todos se sentem e desejam ser irmãos em Cristo, unanimemente disponíveis para acolherem Aquele que, depois de ter falado, Se dá agora no Seu corpo e sangue, com toda a Sua pessoa...
A fracção do pão que se segue é de tal modo importante e central que serviu durante muito tempo para designar toda a Eucaristia (cf. Act 2, 42). Enquanto se parte o pão destinado à comunhão, a comunidade canta o Cordeiro de Deus.
Retomando uma exclamação de João Baptista (cf Jo 1, 29), a Igreja reconhece em Jesus o Cordeiro que «tira» o pecado do mundo.
Os nossos visitantes ficam um pouco surpreendidos quando ouvem falar de cordeiro! O que é que esta evocação significa, pois parece mais adaptada a um redil que a uma assembleia de pessoas sérias?
O guia explica então que, na tradição bíblica, a figura do cordeiro lembrava muitas coisas.
Primeiro, a comovedora pureza de um pequeno ser manso e vulnerável. E sobretudo o cordeiro pascal (cf Ex 12, 3), que foi comido na festa da primeira Páscoa, na véspera da marcha para a terra prometida. Era o alimento do viajante, o sinal pelo qual Deus havia de reconhecer os que estão prontos a seguir o Seu caminho e a viver a grande aventura do êxodo. Na liturgia judaica, comer o cordeiro é um gesto de fé, pelo qual o povo diz a Deus a sua vontade de se libertar, mesmo nas areias quentes do deserto.
Mas o cordeiro é também e indissoluvelmente a personagem humilde e dócil cujo retrato foi feito por Isaías; é a vítima misteriosa, símbolo do povo e, posteriormente, de Jesus, que oferece a Sua vida como sacrifício expiatório (cf Is 53, 10) .
Para os cristãos tal como acentua a liturgia de Sexta-Feira Santa Cristo é Santo, Aquele que Se tornou «obediente até à morte» (Fl 2, 8) para que os Seus vivam. É o companheiro (do latim “cum+panis”) que lembra, pelo Seu exemplo, que o amor pode ir até ao dom da própria vida por aqueles que amamos. Aquele que a assembleia vai comungar, dentro de momentos, não é um grandioso autor de milagres, nem tem um poder esmagador! É como um cordeiro indefeso, um ser disponível, pronto a enfrentar as piores provocações, se delas pode fazer nascer uma vida nova.
Este cordeiro tira o pecado do mundo: traz a reconciliação aos que estão unidos a Ele. Os cristãos, em união com o sofrimento de Cristo, aproximam-se do Pai, de novo plenamente expostos aos raios do Seu amor.
O que é «tirado» é o pecado do mundo. Este singular é uma expressão própria de São João e designa o conjunto dos pecados e faltas das pessoas, todo o imenso peso do mal com inúmeros rostos. É toda a malícia para a qual todos e todas colaboram. Trata-se de um «pecado colectivo»? É provável... com a condição de ser concreto, e de vermos que este pecado está presente em todos os gestos e palavras que exprimem o nosso desinteresse por Deus, a nossa recusa de amar o próximo que Deus pôs no nosso caminho e o nosso sentido de posse em relação à natureza. «O pecado do mundo» é obra nossa, e é graças às nossas conversões quotidianas que ele será menos pesado para o Cordeiro de Deus.
É durante a evocação do Cordeiro que o presidente da celebração parte as hóstias consagradas, como fez Jesus na Última Ceia (cf Lc 22, 19). Este gesto de partilha muito simples, que é também próprio do pai de família judeu, alcançou um significado muito particular na Ceia. Jesus anuncia desse modo que, pouco tempo depois, o Seu corpo vai ser pisado, quebrado, martirizado.., para que o mundo que o agride possa viver. Deus já tinha sugerido a Sua maravilhosa prodigalidade com a multiplicação dos pães: aqueles que não param de destruir o coração divino são alimentados e revigorados pelo dom do corpo do Senhor, partido em bocados. O que é sinal da maldade humana torna-se, como a cruz, num instrumento de salvação.
«O Cordeiro» é Jesus. É o que aponta João Baptista. Ajuda os que o rodeiam a descobrir Jesus. Este gesto suscita a vocação dos primeiros discípulos (cf Jo 1, 35-42). Não serei eu também convidado a contribuir para que os outros descubram Jesus? Portanto, «a História» do povo de Deus continua.., com a condição de a vivermos!
O ritual romano prevê que uma pequena parte (“fragmentum” em latim) do pão consagrado seja misturado ao vinho. Este gesto discreto sugere a unidade do Corpo e do Sangue de Cristo, unidos no cálice. Mas é também o vestígio de uma tradição muito antiga: o Papa, sempre que celebrava, tirava vários bocados do pão que consagrava e enviava-os aos seus padres. Estes, quando por sua vez celebravam, depositavam esse fragmento no seu cálice, para lembrar que cada Eucaristia é vivida em união com o Bispo da Diocese onde se celebra, já mencionado na oração eucarística. Este simples gesto é, portanto, espantosamente sugestivo: recorda que a Eucaristia não é nenhum «assunto pessoal» ou refeição íntima. Cada celebração deve ser vivida em comunhão intensa com a comunidade diocesana presidida pelo Bispo.
(in: “VIE MONTANTE” DA DIOCESE DE MALINES - BRUXELLES, Redescobrir a Eucaristia. A Missa segundo o Concílio, Edições Paulistas, Lisboa, 1989, pp. 104-107 - adaptado)
António Samelo
terça-feira, janeiro 8
Epifania
EPIFANIA DO SENHOR
O tempo do Natal começa com a celebração do nascimento de Jesus e termina com a celebração da Epifania. É difícil averiguar se os evangelistas contam simplesmente dois conjuntos de factos ocorridos ou estão já a interpretar a vinda de Jesus, socorrendo-se de imagens de grande poder e beleza. S. Lucas, que irá sublinhar o amor de Jesus para com os pobres, conta que o Filho de Deus nasceu num presépio e aí foi visitado por um grupo de pastores – homens ignorantes e sem poder, despertados por um anjo. S. Mateus narra que, tempos depois, Ele recebe a visita de um grupo de magos, homens sábios e ricos, há muito esperançados no Messias, vindos de longes terras. Em suma, é-nos dito que este Menino nasceu para os ricos e para os pobres, para os ignorantes e para os sábios, para aqueles que há muito O procuravam e para aqueles que se limitaram a abrir o coração ao seu apelo. Veio contactar com todos os homens, veio manifestar a todos o amor de Deus (“epifania” significa manifestação).
Hoje, a Epifania está-nos entregue. É a nós, cristãos, que cabe manifestar Jesus Cristo aos homens do nosso tempo.
Os primeiros cristãos anunciavam com alegria e simplicidade a Boa Nova em que tinham acreditado e transformara as suas vidas: a entrada de Jesus no mundo, a sua pregação, a morte e a ressurreição, o Reino que ia crescer. Vieram logo a seguir apologistas e teólogos, que começaram a sistematizar a doutrina, a resolver dificuldades. Mas uma coisa se tornou clara desde então: o anúncio fundamental de Jesus Cristo podia ser feito por cristãos muito ignorantes; os refinamentos teológicos tinham o seu lugar, mas um lugar secundário. A grande força dos cristãos não estava no seu “saber”, estava na sua identificação com Jesus Cristo, no seu amor sem condições nem fronteiras. Em breve vieram as perseguições: “o sangue dos mártires foi semente de cristãos”.
Veio depois o tempo em que os cristãos puderam enriquecer e mandar. Imaginaram – como os judeus do Antigo Testamento – que uma Igreja rica e poderosa, com um cerimonial esplêndido, seria para os homens uma manifestação de Deus. Quiseram tutelar a cultura, pretenderam que toda a verdade, nomeadamente a da ciência, tinha de ser passada ao crivo da sua doutrina. Duvido de que este projecto tenha tido alguma vez eficácia. Mas de uma coisa estou certo, hoje é um contra-sinal, uma contra - manifestação de Jesus Cristo.
Certamente que os cristãos têm de estar presentes em todas as actividades honestas da terra. Não têm de ensinar a doutrina cristã a respeito da agricultura, da medicina, da engenharia, da economia ou da sexualidade pela razão simples de que não existe tal doutrina. O que existe é o mandamento novo de viver tudo o que pertença à condição humana na maior generosidade, no dom maior. E é esse testemunho que os cristãos devem dar. Individualmente e em conjunto. A Igreja tem de pregar sem medo e sem peias. A Igreja tem de ser uma presença forte e fiel, mas humilde e sem poder. Não pode ter a ilusão de que sabe ensinar coisas que Jesus não ensinou.
As estatísticas mostram que de ano para ano são menos as pessoas que vêm às nossas celebrações, casam na Igreja, mandam os filhos à catequese. Será que nós, em vez de manifestar Cristo, O ocultamos? Será que as nossas homilias, as nossas devoções, os nossos catecismos, ignoram cada vez mais as bem-aventuranças e a cruz e se fixam em coisas secundárias, teologias marginais, formas que irritam a sensibilidade do nosso tempo?
Uma questão importante é da linguagem. Deixemos de falar “igrejês”, seja o nosso falar como a linguagem directa do Senhor.
6 de Janeiro de 2008 - Pe. João Resina Rodrigues
sábado, janeiro 5
Domingo da Epifania do Senhor – 6 de Janeiro de 2008
Por sugestão do Zé Pureza, deixo aqui, para quem quiser, o texto do Anselmo Borges publicado hoje no Diário de Notícias.
Como já fomos avisados, cantaremos as Janeiras, na Boleta (em casa da Fátima e do Jorge Oliveira), em Dia de Reis. Encontramo-nos lá às 17.30 (ver mapa).
Celebraremos, também, a Epifania. Para podermos preparar a nossa Celebração, o Samelo enviou-nos o texto que a seguir se transcreve (quem quiser poderá fazer o download aqui)...
Festa do Senhor, com a categoria de solenidade, que, no calendário geral da Igreja, se celebra no dia 6 de Janeiro (ou, onde não for feriado, como entre nós, no domingo entre 2 e 8 de Janeiro), em comemoração da manifestação de Jesus Menino aos Magos do Oriente, primícias da gentilidade que Ele vinha integrar no povo de Deus (cf. Mt 2, 1-12). O povo dá-lhe o nome de “Festa dos Reis (Magos)”, e a tradição dá a estes os nomes de Gaspar, Belchior e Baltazar, que ofereceram ao Menino ouro (por ser rei), incenso (por ser Deus) e mirra (por ser homem sujeito à morte) - eram sábios medas, persas e caldeus. O episódio da Epifania narrado em Mt 2, 1-12 é interpretado como empolamento intencional de um acontecimento histórico (midrash = midrash bíblica é a elaboração bastante livre de textos anteriores ou de tradições orais, com finalidades teológicas ou de edificação; desta maneira são tratados temas dos livros de Samuel e dos Reis pelos livros das Crónicas; temas do êxodo e das pragas do Egipto pelo livro da Sabedoria; etc.) para anunciar que a salvação de Jesus Cristo também abrangia os gentios. Nada se sabe ao certo do número e nome dos Magos. Nas mais antigas representações aparecem com mitras e mais tarde coroados como reis, talvez com base em Sl 72(71), 10 e Is 60, 6. O número de três terá sido influenciado pelos três presentes oferecidos (ouro, incenso e mirra). Os nomes de Melchior, Baltasar e Gaspar (este negro) surgem no séc. VIII, e Beda, Venerável, (672-735) considera-os representantes da Europa, Ásia e África.
A Epifania é das festas mais antigas (séc. IV), que teve origem na África, mais precisamente no Egipto, e era uma festa pagã em que se celebrava a vitória da luz sobre as trevas - a liturgia cristã tomou este tema e propõe-no hoje à nossa reflexão na primeira leitura e no Evangelho: Jesus é apresentado como a luz que atrai a Si todos os povos.
A Epifania é celebrada tanto no Oriente como no Ocidente, embora o objecto principal desta festa, nas Igrejas do Oriente, seja o Baptismo do Senhor que, entre nós, se celebra como solenidade normalmente no domingo que encerra o ciclo do Natal. Nos textos litúrgicos da Epifania, entre nós, há referência a mais duas epifanias, a do Baptismo do Senhor (teofania, pois se manifestaram também o Pai e o Espírito Santo, cf. Mt 3,13-17) e a do primeiro dos “sinais”, nas Bodas de Caná (para consolidar a fé inicial dos primeiros discípulos, cf. Jo 2,1-11).
1ª LEITURA - IS 60, 1-6
Levanta-te e resplandece, Jerusalém, porque chegou a tua luz e brilha sobre ti a glória do Senhor. Vê como a noite cobre a terra, e a escuridão os povos. Mas sobre ti levanta-Se o Senhor, e a sua glória te ilumina. As nações caminharão à tua luz, e os reis ao esplendor da tua aurora. Olha ao redor e vê: todos se reúnem e vêm ao teu encontro; os teus filhos vão chegar de longe, e as tuas filhas são trazidas nos braços. Quando o vires ficarás radiante, palpitará e dilatar-se-á o teu coração, pois a ti afluirão os tesouros do mar, a ti virão ter as riquezas das nações. Invadir-te-á uma multidão de camelos, de dromedários de Madiã e Efá. Virão todos os de Sabá, trazendo ouro e incenso e proclamando as glórias do Senhor.
EVANGELHO - Mt 2,1-12
Tinha Jesus nascido em Belém da Judeia, nos dias do rei Herodes, quando chegaram a Jerusalém uns Magos vindos do Oriente.
«Onde está – perguntaram eles – o rei dos judeus que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-l’O».
Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes ficou perturbado e, com ele, toda a cidade de Jerusalém. Reuniu todos os príncipes dos sacerdotes e escribas do povo e perguntou-lhes onde devia nascer o Messias. Eles responderam:
«Em Belém da Judeia, porque assim está escrito pelo Profeta: ‘Tu, Belém, terra de Judá, não és de modo nenhum a menor entre as principais cidades de Judá, pois de ti sairá um chefe, que será o Pastor de Israel, meu povo’».
Então Herodes mandou chamar secretamente os Magos e pediu-lhes informações precisas sobre o tempo em que lhes tinha aparecido a estrela. Depois enviou-os a Belém e disse-lhes:
«Ide informar-vos cuidadosamente acerca do Menino; e, quando O encontrardes, avisai-me, para que também eu vá adorá-l’O».
Ouvido o rei, puseram-se a caminho. E eis que a estrela que tinham visto no Oriente seguia à sua frente e parou sobre o lugar onde estava o Menino. Ao ver a estrela, sentiram grande alegria. Entraram na casa, viram o Menino com Maria, sua Mãe, e, prostrando-se diante d’Ele, adoraram-n’O. Depois, abrindo os seus tesouros, ofereceram-Lhe presentes: ouro, incenso e mirra. E, avisados em sonhos para não voltarem à presença de Herodes, regressaram à sua terra por outro caminho.
Os “magos” têm gozado sempre de muita popularidade. Basta pensar que, 150 anos logo depois do nascimento de Jesus, nos cemitérios cristãos começa a ser reproduzida a sua imagem.
Os cristãos, porém, não se contentaram com as poucas notícias fornecidas pelo texto evangélico. Faltam muitos pormenores: De onde eram provenientes? Quantos eram? Como se chamavam? Que meio de transporte usaram? O que fizeram depois de terem regressado aos seus países? Onde foram sepultados?
Para responder a estes perguntas, surgiram, desde tempos antigos, muitas histórias. Diz-se que eram reis, que eram três, que vinham um da Africa, outro da Ásia e um da Europa e que um era negro, um amarelo e outro branco. Guiados pela estrela, tinham-se encontrado num mesmo ponto e depois tinham percorrido juntos a última etapa do caminho até Belém. Diz-se que se chamavam Gaspar, Melchior e Baltazar; que, para a viagem, se serviram de camelos e dromedários; que, depois de terem regressado a casa, quando já tinham a veneranda idade de 120 anos, um dia voltaram a ver a estrela, partiram e encontraram--se de novo numa cidade da Anatólia, para celebrar a Missa de Natal; e que, no mesmo dia, morreram contentes; que as suas relíquias deram a volta ao mundo e agora repousam na Catedral de Colónia na Alemanha.
Ora bem, trata-se de histórias. Voltemos agora ao texto evangélico e procuremos colher a mensagem que Mateus quer comunicar. Para a podermos compreender, é preciso esclarecer primeiro algumas coisas. A análise dos vários detalhes do relato confirma que a preocupação de Mateus não é de tipo histórico, mas catequético.
Antes de mais, os “magos” não eram reis. Deviam pertencer ao grupo de pessoas muito conhecidas na antiguidade, peritas em interpretar os sonhos, prever o futuro, olhando para o curso dos astros e observando o voo dos pássaros; pessoas que sabiam ler a vontade de Deus através dos acontecimentos ordinários e extraordinários da vida. Não admira, pois, que se diga que os “magos” conseguiram descobrir, no aparecimento duma estrela, uma mensagem do céu. A palavra grega “mágos” usada por Mateus abarca um vasto leque de significados e é aplicada a personagens muito diversas: mágicos, feiticeiros, charlatães, sacerdotes persas, propagandistas religiosos… Aqui, poderia designar astrólogos mesopotâmios, em contacto com o messianismo judaico. Seja como for, esses “magos” representam, na catequese de Mateus, esses povos estrangeiros de que fala a primeira leitura (cf. Is 60, 1-6), que se põem a caminho de Jerusalém com as suas riquezas (ouro e incenso) para encontrar a luz salvadora de Deus que brilha sobre a cidade santa. Jesus é, na opinião de Mateus e da catequese da Igreja primitiva, essa “luz”.
Em relação à estrela, na antiguidade, julgava-se que, quando nascia uma pessoa destinada a uma grande missão, aparecia uma estrela no céu.
Os “magos” terão visto realmente um cometa? A interpretação desta referência como histórica levou alguém a cálculos astronómicos complicados para concluir que, no ano 6 a.C., uma conjunção de planetas explicaria o fenómeno luminoso da estrela refulgente mencionada por Mateus; outros andaram à procura de um cometa que, por esta época, devia ter sulcado os céus do antigo Médio Oriente… Bem poderiam ter aproveitado melhor o tempo, porque a estrela que os Magos viram não era um astro material, mas a estrela de que fala a Escritura. Na realidade, é inútil procurar nos céus a estrela ou cometa em causa, pois Mateus não está a narrar factos históricos. Segundo a crença popular da época, o nascimento de um personagem importante era acompanhado da aparição de uma nova estrela. Também a tradição judaica anunciava o Messias como a estrela que surge de Jacob (cf. Nm 24, 17). Ora, é com estes elementos que a imaginação de Mateus, posta ao serviço da catequese, vai inventar a “estrela”. Mateus está, sobretudo, interessado em fornecer aos cristãos da sua comunidade argumentos seguros para rebater aqueles que negavam que Jesus era esse Messias esperado.
Se lermos os capítulos 22-24 do livro dos Números, encontramos a curiosa história de Balaão e da sua «jumenta faladora». Balaão era um adivinho, um mago do Oriente, precisamente como os referidos pelo Evangelho de hoje. Um dia, sem querer, ele fez uma profecia importante, dizendo: «Vejo-o, mas não agora; contemplo-o, mas não está próximo: uma estrela sai de Jacob e um ceptro flamejante surge do seio de Israel... Sim, de Jacob nascerá um dominador» (Nm 24, 17.19).
Assim falava, cerca de 1200 anos antes do nascimento de Jesus, Balaão, «o homem de olhos penetrantes» (Nm 24, 3). Desde então, os israelitas começaram a esperar com ânsia o aparecimento dessa estrela que não era senão o Messias.
Estas ideias eram muito familiares a Mateus e aos seus leitores. Apresentando-nos os “magos” do Oriente que vêem a estrela, o evangelista quer dizer-nos que finalmente chegou o esperado libertador da estirpe de Jacob: é aquele Jesus que os “magos” reconheceram e adoraram. É Ele a estrela.
Procuremos agora relacionar o Evangelho de hoje com a primeira leitura. O profeta dizia que, quando brilhasse em Jerusalém a luz do Senhor, todos os povos se poriam a caminho rumo a esta cidade santa, levando os seus dons. Mateus vê no episódio dos “magos” a realização desta profecia: guiados pela luz do Messias, os povos pagãos (representados pelos “magos”) dirigem-se para Jerusalém, para levar os seus dons: ouro, incenso e mirra.
Também a história das montadas não foi inventada a partir do nada. É ainda a primeira leitura de hoje que nos fala de «uma multidão de camelos e dromedários que vêm do Oriente» (Is 60, 6).
Mas então devemos tirar dos nossos presépios e retirar da lista das nossas imagens a estrela? Não! Contemplemos à vontade essa estrela e mostremo-la também às nossas crianças, mas digamos-lhes que a estrela não é um astro do céu, mas Jesus: é Ele a luz que ilumina todos os homens.
Os “magos” representam as pessoas de todo o mundo que se deixam guiar pela mensagem de paz e amor de Cristo. Eles são a imagem da Igreja, composta por gente de todas as raças, tribos, línguas e nações. Entrar para a Igreja não significa renunciar à própria identidade, não quer dizer submeter-se a uma injusta e falsa uniformidade. Cada pessoa e cada povo mantêm as suas características culturais. Melhor, essas características contribuem para enriquecer a Igreja universal. Ninguém é tão rico que não precise de nada e também ninguém é tão pobre que não tenha nada para dar.
* Os “magos” são apresentados como os “homens dos sinais”, que sabem ver na “estrela” o sinal da chegada da libertação… Somos pessoas atentas aos “sinais” - isto é, somos capazes de ler os acontecimentos da nossa história e da nossa vida à luz de Deus? Procuramos perceber nos “sinais” que aparecem no nosso caminho a vontade de Deus? «Nenhuma ambição terrena move a Igreja; ela tem em vista um só fim: continuar, sob o impulso do Espírito Paráclito, a obra do próprio Cristo, que veio ao mundo para dar testemunho da verdade (cf. Jo 18, 37), para salvar e não para condenar, para servir e não para ser servido (cf. Jo 3, 17; Mt 20, 28; Mc10, 45).
Para cumprir tal missão, a Igreja tem o dever de perscrutar incessantemente os sinais dos tempos e de os interpretar à luz do Evangelho, de tal sorte que possa responder, de um modo adequado a cada geração, às perenes interrogações dos homens sobre o sentido da vida presente e futura e sobre a sua relação recíproca. Importa, por conseguinte, conhecer e compreender este mundo no qual vivemos, as suas esperanças, as suas aspirações, a sua índole frequentemente dramática.» (CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II, Constituição pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo contemporâneo de 07-12-1965 (GS), nn. 3 e 4).
* Impressiona também, no relato de Mateus, a “desinstalação” dos “magos”: viram a “estrela”, deixaram tudo, arriscaram tudo e vieram procurar Jesus. Somos capazes da mesma atitude de desinstalação, ou estamos demasiado agarrados ao nosso sofá, ao nosso colchão especial, à nossa televisão, à nossa aparelhagem? Somos capazes de deixar tudo para responder aos apelos que Jesus nos faz através dos irmãos?
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[In: - ARMELLINI Fernando, Banquete da Palavra. Comentário às leituras dominicais - Ano C, Edições Paulinas, Lisboa, 1997, pp. 79-84 (adaptado).
- Comentário às Leituras da Solenidade da Epifania do Senhor - Ano A - 6 de Janeiro de 2008 por GRUPO DINAMIZADOR: P. Joaquim GARRIDO, P. Manuel BARBOSA, P. José Ornelas CARVALHO - Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos) scj.lu@netcabo.pt - www.ecclesia.pt/dehonianos (adaptado).
- FALCÃO Manuel Franco, Enciclopédia Católica Popular, Edições Paulinas, Lisboa, 2004, verbetes “Epifania”, “Magos do Oriente” e “midrash” (adaptado)].
António Samelo