domingo, junho 17

11º Domingo do Tempo Comum - Ano C

O Amor=Deus é MAIOR e MAIS FORTE que o pecado:

(cf 4º Domingo da Quaresma - Ano C: 2007-03-18)

O perdão encerra UM segredo de alegria e humanidade!

Refrão
Dá-nos um coração
grande para amar!
Dá-nos um coração,
forte para lutar!

1. Homens novos, criadores da história,
Construtores da nova humanidade;
Homens novos que vivem a existência
Como risco dum longo caminhar.

2. Homens novos lutando em esperança,
Caminhantes, sedentos de verdade;
Homens novos, sem freios nem cadeias,
Homens livres que exigem liberdade.

3. Homens novos, amando sem fronteiras,
Não havendo mais raça nem lugar;
Homens novos ao lado dos mais pobres,
Partilhando com eles tecto e pão.

Um dos temas fundamentais do evangelho de Lucas é a manifestação que Jesus faz de si mesmo, como Aquele que salva os pecadores. Neste sentido, Ele proclama-se Deus, porque os judeus têm consciência de que só Deus pode perdoar os pecados.
O pecado é a morte da pessoa humana, porque é incomunicabilidade, é solidão: no interior do pecado há uma dinâmica de morte - a escravidão, a fome, a miséria, a vontade de destruição que vai da luta com arma branca à explosão atómica e aos armamentos, são os sinais visíveis do pecado.
A pessoa pode tirar a própria vida (não só a biológica) e pode tirá-la aos outros, mas não pode restituí-la nem a si nem aos outros. Cristo, perdoando, é a revelação de Deus como o AMOR gratuito, como “aceitação” radical da pessoa, como AMOR que restitui a vida. Jesus destrói a falsa imagem de Deus no qual “santidade” quereria dizer um “não” absoluto ao pecador. Deus é “não” absoluto ao pecado, mas não ao pecador.

Então, que pode fazer a pessoa pecadora?
“Crer” que é pecadora, que está morta (Natã ajuda David a tomar consciência disto - 1ª leitura) e crer no amor de Deus que nos é oferecido em Jesus. A salvação é a fé em Jesus (2ª leitura).
Quem procura esconder o próprio mal por detrás da observância exacta e rigorosa de normas e leis religiosas, talvez seja uma pessoa «perfeita», como os fariseus... mas será sempre incapaz de amar, de perdoar! A Igreja da Tri-Unidade, da qual fazemos parte, não é composta por «justos», por «perfeitos», mas por pecadores, que foram perdoados e que sabem que vivem continuamente necessitadas do perdão de Deus e dos irmãos e por isso mesmo são capazes também de perdoar! “...A Igreja (...) santa e sempre necessitada de purificação...” (Concílio Ecuménico Vaticano II, Constituição dogmática Lumen Gentium, n. 8).
Quem “aceita” ser amado gratuitamente, sem mérito seu, vive, torna-se capaz de amar e de enfrentar a vida. A experiência do perdão recebido é a experiência do grande amor de Deus (evangelho). O ser perdoado(a) é o motivo mais forte para amar mais a Deus, ao próximo e à natureza - e a pessoa, libertada pelo AMOR=Deus, torna-se libertadora! Para viver, temos mais necessidade do perdão de Deus que do pão que comemos.
O perdão encerra um segredo: o segredo de alegria e humanidade! Quem perdoa vive mais alegre e é mais humano(a)!

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A propósito do perdão e porque como dizia Ortega y Gasset: “Eu sou eu e a minha circunstância”, não resisto a transcrever um dos textos mais lúcidos e operativos que li até hoje do teólogo dominicano francês DUQUOC Christian, Jesus, Homem livre. Esboço duma cristologia, Edições Paulistas, Apelação, 1974, pp. 110-118 (adaptado):

O perdão de Jesus liberta do ódio
A palavra «perdão» arrisca-se a induzir imagens que lhe desnaturam o sentido e que enfraquecem o acto de Jesus. Com efeito, não entendo por este termo nem o esquecimento (fecham-se os olhos, porque não se pode fazer de outra maneira e porque, antes de tudo, se quer salvaguardar uma paz “podre”; o esquecimento é um acto de fraqueza); nem a indiferença (esta é uma fuga perante a realidade: “tal pessoa morreu para mim, é como se não existisse”; o outro não tem “rosto”: há coisas mas não pessoas com quem se tenha laços reais e, portanto, nenhuma ameaça precisa); nem a ingenuidade (esta está pronta a tudo crer e, portanto, a tudo apagar). O perdão é um acto arriscado, é o acto dos fortes: existe onde alguém ameaça realmente uma outra existência, quer seja material ou psicológica, onde alguém lesa direitos. Não é, portanto, nem o esquecimento, nem a indiferença, nem a ingenuidade. É lúcido, pois aquele que perdoa julga que quem faz o mal - e esse mal contra ele - é menos pessoa do que ele que o sofre. Esse facto tem por fim romper a fascinação do mal, o «encerramento» do malfeitor em si mesmo; tem por fim despedaçar aquele círculo mágico no qual sossobra toda a comunicação real. É um acto arriscado, porque baseado na esperança de que a bondade, abrindo ao malfeitor um espaço diferente da sua lógica do mal, o fará ter acesso a uma escolha menos desumana.
O perdão é um acto de liberdade. Aquele que perdoa não se deixa dominar pelo mal segregado pelo adversário. Não cura a calúnia pela calúnia, a difamação pela difamação, o assassínio pelo assassínio, a mentira pela mentira. Cria uma outra relação. Esta é um apelo para que o mal não tenha a última palavra. O perdão é um acto criador: aceite, abre de novo ao malfeitor, e de maneira positiva, as relações sociais.
Jesus não perdoou abstractamente. Só pode perdoar ao verdugo aquele que foi torturado. Só aquele que foi objecto de ódio e vítima de sua sede de destruição pode manifestar a impotência do ódio, ao que o odeia, esperando que este acto seja criador duma nova história, para aquele que esteve sob o domínio do ódio. Se Deus perdoa aos criminosos, sem se ter identificado às suas vítimas, esse perdão é abstracto e não cria qualquer possibilidade nova na história, O perdão dado por Jesus, no momento da morte - «Pai, perdoa-lhes» -, é um perdão sobrecarregado de toda a sua história. Ele tinha sido perseguido, caluniado, escarnecido, desprezado, ridicularizado, condenado e morria como um criminoso e um blasfemo. Ao perdoar, Jesus espera que a lógica de morte, de que foi vítima, não tenha a última palavra. Esse perdão abre a possibilidade dum futuro e esse futuro já está inscrito na realidade da sua ressurreição. Deus faz seu o perdão dele, constitui-o Senhor, Messias, Juiz e Filho. É o seu gesto que exprime o que é Deus para o homem, porque este homem que perdoa é justificado por Ele. O verdadeiro justo é aquele que dá o perdão, não é aquele que cumpre a Lei. A oração que Jesus nos ensinou - «Perdoa as nossas ofensas, como nós perdoamos...» - exprime a medida com a qual nós já somos julgados.
O perdão abre um futuro. Se a morte é simbolicamente apresentada na Bíblia como a consequência do «pecado», é porque a morte significa a não comunicação, a irreversível destruição. O homem, que se encerra no ódio, deseja eliminar aquele que odeia, deseja fechá-lo na morte de tal maneira que deixe de existir para ele. A guerra, que não termina por uma negociação, só terá termo pela destruição dum dos antagonistas. Somente o perdão lhe enfrenta a lógica, mesmo nas suas formas mais atenuadas, imagens longínquas ou pervertidas do verdadeiro perdão: a negociação e o esquecimento. A história é possível com a condição de o ódio não responder ao ódio e de a injustiça renunciar mesmo a ser plenamente satisfeita. Somente o perdão, mesmo nas suas formas longínquas, cria uma novidade de relações que abre uma outra história.
Assim, no acto do perdão, surge a esperança de que aquele a quem se perdoa perceba a esterilidade da sua lógica destruidora ou da sua justiça implacável. Renunciando a suplicar a Deus que lhe extermine os inimigos, pelo seu poder e a favor daquele que lhe anunciava o Reino, Jesus dava testemunho do que é o Reino de Deus. Jesus abre o futuro para o próprio pecador, porque testemunha pelo seu perdão que ninguém está definitivamente encerrado no ódio e que o seu Deus é Aquele mesmo que anula todas as barreiras, perdoando aos que matam o seu Enviado. Neste acto, o perdão atinge todo o homem, pois Aquele que o pronunciou está vivo para sempre. Deus já não pode ser requerido para apoiar ódios de clãs, de raças, de classes. Nem sequer pode voltar a ser requerido como garante duma justiça implacável. Deus não pode ser invocado a não ser quando o perdão cria uma novidade de relações. Libertando-nos do ódio pelo seu perdão, Jesus liberta-nos da imagem opressiva do Absoluto.
O perdão é um acto da vida quotidiana. É um dado essencial das relações humanas. Estas nem sequer são duráveis a não ser que o perdão seja uma dimensão permanente da nossa vida. É um acto que Jesus integrou na sua atitude, conferindo-lhe, porém, uma profundidade que a banalidade quotidiana oculta. Esse acto de Jesus revela o mal que prolifera na nossa história e o trágico da nossa condição: é um homem justo, um profeta da liberdade e do amor, que matam. Evidencia igualmente a relativa impotência do perdão: o ódio não cessa de surgir e de ser assassino. Por isso é necessário, para a compreensão do carácter libertador do acto de Jesus, manifestar-lhe a consequência: aquele que foi injustamente crucificado e que perdoou é Senhor e doador do Espírito. Jesus, pela sua ressurreição, dá testemunho da infinita eficácia do perdão, pois este mantém-se o princípio activo da história até desaparecer o poder do ódio. Sem a Ressurreição Jesus seria uma figura nobre. A Ressurreição, pela ratificação divina do seu perdão, fundou a esperança de que Deus, sendo o Deus que perdoa e se opõe a todos os ódios, pelo seu Espírito que é o de Jesus, transformará os homens de tal maneira que deixarão de ser os agentes do ódio.

Perdão: a Fatinha e o Rui Marques disseram-no há tempos de uma forma lapidar - perdoar é viver “sem mágoa”!

Perdão, conflitos e libertação
O perdão de Jesus moribundo é um perdão pronunciado por Aquele que abriu o Reino de Deus. Baniu para sempre a imagem de Deus que o homem sujeitou aos seus interesses destruidores. Ratificado por Deus na Ressurreição de Jesus, esse perdão abre o que parecia fechado indefinidamente: mesmo se for o maior malfeitor, homem algum é privado de acesso junto do Deus de Jesus. O perdão de Jesus encerra a esperança de que a sua bondade, o seu amor, a sua liberdade hão-de aniquilar para sempre a obsessão do mal e a recusa de comunicação. O dom do Espírito tem por fim tornar concreto esse perdão, na conversão do coração. Não é a dureza do pecador que determina o comportamento de Deus, mas a sua bondade.
Seria, portanto, um erro fazer do perdão de Jesus um acto exemplar das relações sociais, que iria banir todas as lutas pela justiça, aguardando que o explorador se convertesse. O acto de Jesus é o acto dum homem que enfrentou o mal, sob todas as suas formas. O seu perdão tem valor, precisamente porque ele não teve receio de dizer a verdade e de tomar partido: «Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça»: A justiça superior não consiste em destruir o malfeitor, mas em libertá-lo do seu desejo destruidor. O perdão não consiste em deixá-lo perseverar nesse mau desejo, mas em abrir-lhe a possibilidade duma outra relação. O perdão de Jesus revela, simultaneamente, a profundidade do mal e a altura da sua esperança. Nem a sua palavra, nem os sinais, nem a sua autoridade, nem a sua liberdade, mudaram o coração dos seus adversários. E os evangelhos fazem alusão à cólera de Jesus, perante tal dureza. Jesus sabe que o poder também não terá mais valor: não mudaria essa dureza. Pelo contrário, poderia justificá-la. Somente o acto mais oposto a essa dureza pode esperar despedaçá-la: o perdão daquele mesmo que é perseguido.
O perdão de Jesus não é uma caução dada ao opressor, para continuar a oprimir, nem uma ilusão pregada ao oprimido, para não tomar em mãos a causa da sua libertação. Seria compreender mal aquilo de que se trata na Paixão de Jesus, se nela discerníssemos a condenação da luta de classes, da legítima defesa, do empreendimento revolucionário. O acto exemplar de Jesus não é um programa político ou uma regra de governo social. Manifesta que toda a justiça é relativa: não pode impedir o malfeitor de ser malfeitor, não pode fundar com ele uma relação criadora. E, assim, a dinâmica do perdão actua em todo o empreendimento, mesmo que seja uma revolução violenta, que pretenda estabelecer novas relações e não somente realizar substituições de poder.
A coragem de Jesus na sua esperança não é separável da sua lucidez e das suas exigências. O perdão não é um «deixa correr»; é a maior exigência de conversão, pois é dado por Aquele que sentiu, até na própria carne, o horror do mal.
A nossa reflexão tinha, por ponto de partida, a noção de «redenção» (libertação).
Descobrimos que Jesus nos torna livres, relativamente ao destino tecido pelo pecado. O termo «libertação» está na moda e, por isso, é necessário precisar as consequências do que acabámos de dizer. Fala-se, com efeito, de libertação política, social, cultural, sexual. O homem contemporâneo sente-se oprimido ou reprimido. Tem consciência de não ser livre e aspira à liberdade. Atribui causas diferentes à sua escravidão: para uns, é o sistema económico que, pela alienação produzida, priva o homem de toda a liberdade real; outros acusam a crise de civilização e outros, finalmente, dão razões psicanalíticas. Perante esta proliferação de escravidões, o crente sente-se tentado a discernir um mal-estar que proviria da ausência de ideais e do desaparecimento dos valores religiosos. Vai até propor Jesus como remédio para o mal actual. Assim compreendida, a libertação concedida por Jesus é uma ilusão.
Jesus não propõe um programa social, cultural, sexual. Não dá um remédio milagroso que, em todas as circunstâncias e em todos os lugares, fizesse com que a humanidade atingisse o sentimento da própria liberdade. Jesus recusou-se a tomar o poder, não propôs qualquer lei e, ressuscitado, não transformou, por um acto de poder, as nossas condições materiais: incita-nos a sermos os criadores da nossa história, pois nos liberta da obsessão dum Deus para o qual a ordem fosse o bem supremo. Abre um espaço novo do encontro com Deus: o nosso mundo, tal como o fizermos nós mesmos, na alegria ou no medo, na fantasia ou no enfado. Deus está onde vive, chora, se recreia, trabalha, cria, morre o nosso semelhante. Lei alguma define este modo de relação de que somos responsáveis.
Sendo libertados das imagens opressivas de Deus, libertados da oposição ancestral e ainda dominante entre Deus e o homem, somos libertados do recalcamento em nós mesmos do mal que produzimos. Jesus despedaçou o destino cósmico ao qual os próprios deuses antigos estavam submetidos; mas o destino mais trágico é o que forjamos nós mesmos, pelo mal que produzimos e cujas consequências são irreversíveis. Pode criar vergonha e desespero, ódio de nós mesmos. Este destino é despedaçado, porque alguém perdoa e se abre um novo futuro. E, assim, o «pecado», princípio «homicida» segundo S. João, recusa de co-existir, já não tem a última palavra. Se S. Paulo viu, na «morte» de Jesus, a destruição da morte, quis dizer com isso que nenhum destino está tão bem fechado que não possa voltar a ser aberto por uma nova criação. Assim Jesus torna-nos livres relativamente a nós mesmos, porque o que seria irreversível sob o nosso julgamento, torna-se ponto de partida sob o perdão. Nada exprime melhor esta certeza do que o hino escrito por S. Paulo:

“Se Deus está por nós, quem estará contra nós?
Deus, que não poupou Seu próprio Filho, mas O entregou à morte por todos nós, como não havia de nos dar, com Ele, todas as coisas?
Quem acusará os eleitos de Deus, se Deus os justifica?
E quem os condenará, se Cristo Jesus morreu e, mais ainda, ressuscitou, está à direita de Deus e intercede por nós?
Quem poderá separar-nos do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo ou a espada?
Mas em tudo isto somos vencedores, graças Àquele que nos amou.
Na verdade, eu estou certo de que nem a morte nem a vida, nem os Anjos nem os Principados, nem o presente nem o futuro, nem as Potestades, nem a altura nem a profundidade nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que se manifestou em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rom. 8, 31b-35.37-39).

Cântico
Eu deste monte estou a ver o mar
Um mar de gente que não tem um lar
É um sobejo é um sobejo baixo
Canção tão triste paira sobre as ondas
É o lamento de homens a chorar
É um lamento é um lamento o mar

Refrão
Quem vê as ondas
Quem vê as ondas do mar
Não fica em terra
Não fica em terra a olhar

Lá mais ao fundo longe deste pranto
Vive uma gente que não sabe amar
É um tormento é um tormento amar
Vivem num reino feito de cristal
Vivem de sonhos sem querer olhar
Este sobejo este sobejo baixo (Refrão)

Na noite escura vem um monstro irado
Consome as vidas deste mar humano
É deste reino é deste reino o mal
É deste monstro que vive o cristal
E os dois combinam ter um povo em pranto
Esquecimento esquecimento brando (Refrão)

Canção tão triste paira sobre as ondas
Será um hino de libertação
Não será pranto não será pranto o mar
E o cristal será quebrado e o mar
Terá nas mãos um monstro domado
É deste reino, é deste reino o bem (Refrão)

Refrão final
Quem vê as ondas
Quem vê as ondas do mar
Não fica em terra
Não fica em terra a olhar
Quem vê as ondas
Quem vê as ondas do mar
Não fica em terra
Tem Deus que o manda avançar

António Samelo

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