domingo, janeiro 11

1º Domingo do Tempo Comum - 11 de Janeiro

O mundo celebrou, no dia 1 de Janeiro (em cada ano assim é...), o Dia Mundial da Paz!
Entretanto, começou a guerra em Gaza...



(as imagens foram retiradas, da Net, pelo Zé; a música, é de Jordi Savall [Fanfare de Jericho, 1200 av. J.C.], do seu recente trabalho Jérusalem: La Ville de deus Paix: La Paix céleste et la Paix terrestre. Umas e outra aqui reproduzimos com o devido respeito aos múltiplos autores.)


Rezámos por tudo isto, também com a ajuda dos poemas de Mahmud Darwish* (em traduções de Albano Martins para a Campo das Letras). Aqui ficam:


Bilhete de Identidade

Escreve!
Sou árabe
e o meu bilhete de identidade é o cinquenta mil;
tenho oito filhos
e o nono chegará no final do Verão.
Vais zangar-te?

Escreve!
Sou árabe.
Trabalho na pedreira
com os meus companheiros de infortúnio.
Arranco das rochas o pão,
as roupas e os livros
para os meus oito filhos.
Não mendigo caridade à tua porta,
nem me humilho nas tuas antecâmaras.
Vais zangar-te?

Escreve!
Sou árabe.
Sou um homem sem título.
Espero, paciente, num país
em que tudo o que há existe em raiva.
As minhas raízes,
foram enterradas antes do início dos tempos
antes da abertura das eras,
antes dos pinheiros e das oliveiras,
antes que tivesse nascido a erva.

O meu pai descende do arado,
e não de senhores poderosos.
O meu avô foi lavrador,
sem honras nem títulos,
e ensinou-me o orgulho do sol
antes de me ensinar a ler.
A minha casa é uma cabana,
feita de ramos e de canas.
Estás feliz com o meu estatuto?
Tenho um nome, não tenho título.

Escreve!
Sou árabe.
Roubaste os pomares dos meus antepassados
e a terra que eu cultivava com os meus filhos;
não me deixaste nada,
apenas estas rochas;
O governo vai tirar-me as rochas,
como me disseram?

Escreve, então,
no cimo da primeira página:
a ninguém odeio, a ninguém roubo.
Mas, se tiver fome,
devorarei a carne do usurpador.
Tem cuidado!
Cuidado com a minha fome,
Cuidado com a minha ira!


Os pássaros morrem na Galileia

Voltaremos a ver-nos em breve.
Dentro dum ano
ou dois
ou numa geração.
Em seguida ela guardou, precipitadamente, na sua máquina fotográfica
vinte jardins,
os pássaros da Galileia,
e partiu, para além dos mares, em busca
dum novo sentido para a verdade.
— A minha pátria é uma corda de estender roupa
para os lenços de sangue derramado
a cada momento.
E estendi-me na praia,
areia e... palmeiras.

Sobre isso, ela nada sabe.
— Rita! A morte e eu revelámos-te
o segredo da alegria murcha às portas das alfândegas.
A morte e eu renovámo-nos
na tua fronte primitiva
e na tua janela.

A morte e eu, duas faces.
Porque foges agora da minha?
Porquê?
Porque foges do que faz do trigo
os cílios da terra,
do vulcão, um outro rosto de jasmim?
Porque foges?

Sozinho, o seu silêncio fatigava-me de noite,
quando se alongava diante da minha porta
como se fosse a rua... o velho bairro.
Que a tua vontade seja feita, Rita!
Que o silêncio seja machado,
cercaduras de estrelas
ou terreno propício ao nascimento da árvore.
Eu saboreio o beijo
no fio das lâminas.
Vem, adiramos aos massacres!

Como folhas supérfluas,
os enxames de pássaros
caíram no poço do tempo.
E eu recolho as asas azuis.
Rita,
eu sou a pedra tumular da sepultura que cresce.

Rita,
eu sou aquele em cuja carne
as searas cavam
o rosto duma pátria...


* Morreu no passado dia 9 de Agosto [de 2008], nos Estados Unidos, o poeta palestiniano Mahmud Darwish, aos 67 anos, um dos mais importantes poetas árabes contemporâneos, cuja actividade literária e política o tornaram no poeta nacional da Palestina.
Mahmud Darwish nasceu na Palestina em 1941. Em 1948 a sua aldeia foi atacada pelos sionistas e os habitantes levados para outros lugares. Aos sete anos Darwish fugiu para o Líbano à procura de notícias da sua família que, no entanto, não conseguiu encontrar. Um ano depois o poeta retornou à Palestina, onde encontrou a sua aldeia totalmente arrasada e ocupada pelos israelitas. Darwish escreveu os seus primeiros textos poéticos quando ensinava na aldeia de Der Al Asad. Foi detido e preso pelos israelitas em diversas alturas ao longo da sua infância e adolescência, tendo mais tarde sido proibido de leccionar no ensino superior. Entretanto, foi para Moscovo em 1970, e para o Cairo no ano seguinte. Desde então organizou várias publicações e centros de pesquisa palestinianos. Foi presidente da Sociedade de Escritores e Poetas Palestinianos e foi várias vezes indicado para o Prémio Nobel.
Em Abril de 1988 o então primeiro-ministro Isaac Shamir iniciou uma ofensiva contra Darwish devido ao seu poema "Aqueles que passam entre as palavras passageiras", que, segundo Shamir era "a expressão exacta dos objectivos do bando de assassinos organizados debaixo do guarda-chuva da OLP". Na verdade, o poema é um pedido dirigido aos israelitas para que deixem as terras ocupadas.
Em Abril de 2002 o exército israelita atacou e destruiu o Centro Cultural Jalil Sakatini (Ramalá), dirigido por Darwish. Antes, o edifício tinha sido saqueado pelas forças militares de Israel que levaram arquivos, documentos e obras de arte e a seguir o destruíram com explosões de cargas de dinamite. O edifício também era sede da prestigiosa revista literária palestiniana Al Karmel, também dirigida por Darwish. Horas mais tarde a operação continuou com a invasão da casa do poeta, que residia em Paris, onde continuava a editar a revista literária Al Karmel.
Com livros traduzidos em mais de 20 idiomas e vários prémios internacionais, Mahmud Darwish é o autor da Declaração de Independência Palestiniana, escrita em 1988 e lida por Iasser Arafat quando declarou unilateralmente a criação do Estado Palestiniano.
Darwish ganhou notoriedade ainda nos anos 60, com a publicação do seu primeiro livro "Pássaro sem asas", uma colectânea de poemas que inclui "Bilhete de Identidade". Escrito na primeira pessoa, o poema descreve o momento em que um árabe fornece os números do seu documento de identificação numa barreira israelita, na tentativa de retornar à sua terra.

Em Portugal, a editora Campo das Letras publicou em 2002 o livro "O Jardim Adormecido e Outros Poemas", com selecção e tradução de Albano Martins. Os poemas deste livro foram extraídos dos volumes "La terre nous est étroite et autres poèmes" (antologia organizada pelo próprio poeta, antecedida de um prefácio inédito do autor, publicada, em 2000, pela editora Gallimard), "Plus rares sont les roses" (Les Éditions de Minuit, 1989) e "Poèmes palestiniens" (Les Éditions du Cerf, 1989).
(http://porosidade-eterea.blogspot.com/2008/08/mahmoud-darwish-1941-2008.html)

No poema Os pássaros morrem na Galileia "[…] Rita é a amada israelita, que, desiludida, parte numa viagem em busca da verdade e deixa o poeta para trás. O poema tornou-se numa das canções mais populares da Palestina."
(http://porosidade-eterea.blogspot.com/2008/10/leitura-mundial-de-mahmud-darwich_05.html)

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