(Texto lido na celebração de Domingo 13/11/2005)
O cuidado pelo outro, uma expressão comum, reflecte pensamentos e emoções simples: torna os humanos capazes de velar pela Natureza, de se interessarem activamente uns pelos outros, e de manterem a sociedade coesa. É o cuidado pelos outros que motiva atitudes e acções que mostram a sua interdependência, assim como a das comunidades e nações; ninguém está isolado, mas sim consciente de uma fundamental alteridade.
“Cuidar de” significa também apreciar e amar; ocupar-se dos outros, seguir de perto, alimentar. “Cuidar de” implica um compromisso que transcende a emoção e se traduz numa acção que ultrapassa o domínio médico ou humanitário (lugares onde o termo cuidado é usado desde há muito). O cuidado pelos outros acrescenta-se à racionalidade para definir os comportamentos. Cuidar é o oposto da indiferença: implica comunicação e uma situação de parceria em que há dar e receber.
Como valor social, o cuidado pelos outros tem sido uma componente do comportamento em todos os estádios da evolução do ser humano. Os cuidados das mães pelos filhos; a atenção prestada aos vulneráveis, aos doentes e velhos. As grandes religiões que surgiram com as civilizações agrárias deram um valor especial aos valores centrais do cuidado, da caridade, até das esmolas, com especial atenção para com os pobres e destituídos, os doentes, as viúvas e os órfãos. O cuidado pelos outros generalizou a compaixão e a partilha, e algumas das religiões estenderam estes sentimentos para além dos humanos e até toda a Natureza.
E apesar disso, verificamos que, de certo modo, as actividades resultantes do cuidado pelo outro tendem a ser menos respeitadas e menos recompensadas do que a actividade produtiva da humanidade. Pior, são muitas vezes invisíveis (talvez porque estão mais intimamente associadas às mulheres).
A comissão pensou que o cuidado pelo outro não deve permanecer escondido. Mesmo quando nenhum valor monetário está associado ao cuidado pelo outro, a sociedade deve estar ciente do custo que teria de suportar se cada manifestação concreta desse cuidado tivesse que ser comprada. A necessidade de tornar visível o cuidado pelo outro não é apenas um imperativo de justiça para aqueles que ajudam os outros a viver e assim absorvem algumas das pressões que se exercem no tecido social. Se o cuidado pelos outros não é considerado como uma dimensão da condição humana, será mais difícil o reajustamento aos nossos diferentes papéis na sociedade - na família, na profissão e nas responsabilidades cívicas. Continuarão as desigualdades entre homens e mulheres se os rapazes e os homens não se empenharem no cuidado pelos outros como fazem as mulheres.
A ética do cuidado pelo outro tem que manifestar-se tanto pública como privadamente. Acabar com a pobreza, restringir o desperdício dos recursos, promover a qualidade de vida dos outros: estes três pontos são a essência do cuidado. E cuidar do ambiente é fundamental para a qualidade de vida e para a sobrevivência, tanto para as outras espécies como para a própria humanidade. Por isso, podemos dizer que a capacidade de carga da Terra depende da capacidade de cuidado da Humanidade.
(Cap. 7 "Responder às Necessidades" de "Cuidar o Futuro: Um Programa Radical para Viver Melhor", Comissão Independente População e Qualidade de Vida - presidida por Maria de Lourdes Pintasilgo. Lisboa, Ed. Trinova, 1998.)
domingo, novembro 13
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