quarta-feira, dezembro 10

comunidade

"Gostaria de viver numa comunidade onde em grande espírito de verdade, simplicidade, liberdade e amor, fosse capaz de pôr em comum e participar de interrogações e experiências, no diálogo com o mistério que é o estofo do homem, do mundo e de Deus. Onde eu fosse capaz de viver a fé que é esta exacta capacidade de simultaneamente participar de Deus e estar separado dele. Onde fosse possível viver a esperança, que é a consciência aguda e sem ilusões da nossa insuficiênciam e da insuficiência do mundo e a simultânea confiança no nosso espírito e no santo espírito de Deus. Uma comunidade onde a presença dos outros fosse um apelo constante às diversas formas de amor para que, a pouco e pouco, a nossa experiência alargada fosse uma constante relação amorosa que por aí pudesse encontrar o amor de Deus.
Gostaria que nessa comunidade, ao menos uma vez em cada semana, me fosse dado viver, em plena consciência e participação, a renovação do mistério de Deus que se fez homem e que pelos homens morreu numa cruz. Que à volta duma mesa fosse possível criar um clima de grande verdade interior, que sinceramente me desse consciência da minha fraqueza e da grandeza e da glória daquilo para que fui chamado. Onde, nesse espírito, pudesse reflectir na palavra revelada; onde recolhesse as mais recônditas disponibilidades do meu espírito e as oferecesse sinceramente para o melhor uso que pudessem ter. Onde recolhidamente lembrassse os vivos e aquilo que de nós concretamente esperam. Onde comparticipasse na consagração do pão e do vinho da terra. Onde lembrasse os mortos e aquilo que lhes devo e soubesse dirigir a prece ao Pai na procura da sua vontade e recebesse contente o pão de cada dia. E onde, partilhando do pão e do vinho, com eles recebesse a paz.
Gostaria que o meu espírito se abrisse em disponibilidade total, de modo a que, naturalmente, saudasse os outros homens desejando-lhes a paz: "Que Deus te dê paz". E que isso preparasse o dia em que eu, serenamente, se não com alegria, pudesse dizer: "Benvinda sejas, morte, minha irmã".
António Alçada Baptista
Peregrinação Interior - Vol. 1: Reflexões sobre Deus

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