domingo, novembro 23

Domingo 34º do Tempo Comum — Domingo de Cristo-Rei

Para esta Celebração o Samelo trouxe-nos duas notícias da Agência Ecclesia sobre os 75 anos da Acção Católica Portuguesa.

"Há 75 anos nascia a Acção Católica Portuguesa

Paulo Fontes afirma que «celebrar os 75 anos da fundação da ACP não poderá ser feito com o olhar virado apenas para o passado»
Há 75 anos, uma carta do papa Pio XI ao cardeal-patriarca de Lisboa D. Manuel Gonçalves Cerejeira, datada de 10 de Novembro de 1933, assinalava oficialmente o lançamento da Acção Católica Portuguesa (ACP), nova organização do apostolado católico no país. A promulgação das suas Bases Orgânicas pelo episcopado português, a 16 de Novembro do mesmo ano, traduzia o início do processo de institucionalização da ACP como organização nacional, visando integrar todos os sectores do apostolado e cobrindo todas as dioceses do país, de modo a totalizar uma nova forma de presença da Igreja Católica na sociedade, marcada pela visão de um catolicismo militante, em prol do que então se designava pela “reconquista cristã” ou “recristianização cristã” da sociedade. A sua criação resultou de factores internos e externos que favoreceram o seu aparecimento e moldaram a sua identidade no quadro de recomposição do catolicismo nacional e de reestruturação da própria Igreja em Portugal, cujo marco mais significativo fora a realização do Concílio Plenário Português, em 1926.
Desde finais do século XIX que, ao sentimento de fragilidade vivido pelo catolicismo no seio de uma sociedade em processo de secularização, correspondera uma vontade de revitalização e um ímpeto associativo dos católicos, de que a Acção Católica Portuguesa foi, de certo modo, herdeira. A estratégia definida pelo episcopado português em 1926 ia no sentido do reforço da chamada “união católica”, da secundarização de tudo o que dividia os católicos, incluindo a política, e de afirmação da autonomia e capacidade de acção da Igreja na sociedade, sob a direcção dos bispos, enquanto expressão da autoridade católica na sociedade. A “participação dos fiéis leigos no apostolado hierárquico da Igreja” marca o entendimento eclesiológico dos anos 30 e parte dos anos 40. O ideal histórico de uma “nova cristandade” teorizado por Jacques Maritain, afirmando o primado do espiritual, constituía o horizonte de mobilização para os que integravam o que então se designava por “exército de Cristo-Rei”. A teologia de Cristo-Rei foi, aliás, um dos principais pólos de referência doutrinal até, pelo menos, ao final dos anos 50 do século XX; e a ACP fez sua a Festa de Cristo-Rei, instituída em 1925. A ideia de que havia que aliar o “combate interior” de cada um ao “combate exterior” na sociedade era o quadro de compreensão de um apostolado que se pretendia simultaneamente religioso e social. A “questão social”, isto é o conflito capital-trabalho e a “imerecida miséria” em que viviam os novos sectores sociais urbanos, em particular o operariado industrial, estimulavam a procura de nova respostas sociais, para que a doutrina social da Igreja e a então chamada “sociologia cristã” procuravam contribuir, oferecendo referências para a acção social e a participação cívica dos católicos.
A natureza específica da nova Acção Católica assentava, desde o início, na ideia do apostolado organizado, realizado por leigos sob mandato da Hierarquia. Foi necessário esperar pelos seus desenvolvimentos e dificuldades, assim como pelas novas dinâmicas do pós-II Guerra Mundial, a par da reflexão teológica desenvolvida por Yves Congar e outros, para se afirmar a especificidade e autonomia do apostolado dos leigos, que a realização do I e II Congressos Mundiais do Apostolado dos Leigos bem exprimiu (1951 e 1957). No caso português, combinou-se a ideia de um apostolado total, capaz de responder e integrar todos os sectores da sociedade, com uma organização duplamente especializada: segundo o sexo e a idade, dando origem a quatro Organizações (Liga dos Homens da Acção Católica, Liga das Mulheres da Acção Católica, Juventude Católica e Juventude Católica Feminina); e de acordo com os chamados “meios sociais” - agrário, escolar, independente, operário e universitário -, dando origem a 20 Organismos Especilizados. Paralelamente, a hierarquização interna e a centralização em cada um dos três planos em que a organização se estruturava (local ou paroquial, diocesano e nacional) procurava assegurar eficácia a um movimento que visava, simultaneamente, a formação de um “escol” (os militantes e dirigentes) e a influência na “massa”.
Os desenvolvimentos do trabalho de formação e reflexão teológicas, a preocupação com o enraizamento social do trabalho de cristianização, a par da activa participação nas dinâmicas internacionais ou supranacionais do catolicismo, foram factores que contribuíram decisivamente para conferir ao movimento católico português alguns novos traços nos anos 50 a 70, em especial: a formação humana, cívica e religiosa de várias gerações de católicos, conforme a uma espiritualidade mais incarnada e cristocêntrica, pese embora o peso do marianismo nas devoções dos movimentos de Acção Católica; o desenvolvimento de um catolicismo social reformista, partindo do estudo e procura de soluções para a realidade nacional, bloqueada pela persistência política do Estado autoritário após a II Guerra Mundial; o aparecimento de novas elites católicas nos mais diversos sectores da sociedade, em particular universitário, intelectual e cultural, mas também operário e de novos sectores profissionais, a par da emergência de novas lideranças e dinâmicas sociais, a nível da juventude, das mulheres, das famílias e do movimento sindical e patronal, entre outros.
Nos anos 70, o esgotamento do paradigma de movimento católico que a ACP corporizou explica o seu desmembramento como corpo orgânico em 1974, sendo que a realização do II Concílio do Vaticano constituiu um importante ponto de viragem neste processo. Muitas das perspectivas teológicas e pastorais que o Concílio viera reconhecer e proclamar tiveram na vida e trabalho da Acção Católica, em todo o mundo, um pioneirismo e um alicerce que, no longo prazo, explicam a sua secundarização, mormente o reconhecimento do valor pleno do apostolado dos leigos, sem necessidade de recurso ao mandato episcopal ou o valor da liberdade religiosa e do pluralismo eclesial e social. No caso português, o paralelismo cronológico verificado entre a vigência do Estado Novo e a existência da ACP (1933-1974) não deve ser interpretado num registo causal, mas deve procurar-se no húmus cultural e sociológico da realidade portuguesa, que aqui não podemos analisar.
O desmembramento da ACP como corpo orgânico não significou o fim daquela experiência. Ao invés, nalguns casos, traduziu-se no relançamento de parte dos movimentos que entretanto se tinham autonomizado no seu interior, alguns dos quais continuam o seu trabalho nos dias de hoje, embora em contexto e em modalidades bem diversos dos iniciais. De igual modo, muitas das intuições sociais, teológicas e pastorais nascidas no seio da Acção Católica fizeram o seu caminho, encontrando noutras dinâmicas sociais e movimentos eclesiais a sua forma de expressão, nomeadamente: o “apostolado do semelhante pelo semelhante”, preconizado pelo papa Pio XI; o método da “revisão de vida”, aprendido na escola da JOC (Juventude Operária Católica) de Joseph Cardjin, seu fundador e figura emblemática do movimento católico internacional; a afirmação do “apostolado de leigos”, apoiado na presença e acompanhamento dos “assistentes eclesiásticos”, função para que se recrutaram e formaram dezenas de padres em todo o país e a partir donde se projectaram figuras marcantes do catolicismo social; a distinção entre “missão interna” e “missão externa”, conforme a uma visão que muito contribuiu para a reflexão missiológica e a reformulação da própria noção de missão; e, por último, a ideia de “militância católica” que, sendo-lhe anterior, aqui encontrou um lugar privilegiado de expressão ao longo do século XX.
Para todos os que se interessam pela memória e história da ACP, celebrar os 75 anos da fundação da ACP não poderá ser feito com o olhar virado apenas para o passado, mas sobretudo para o presente, numa atitude de abertura ao futuro, na procura dos “caminhos não andados” que, também hoje, necessitam ser descobertos e trilhados, na dupla fidelidade à realidade vivida e à pessoa de Jesus Cristo.

Paulo Fontes, Centro de Estudos de História Religiosa - UCP, autor da tese de doutoramento "Elites Católicas na Sociedade e na Igreja em Portugal: o papel da Acção Católica Portuguesa (1940-1961)", defendida em 2006."
in: http://www.agencia.ecclesia.pt/noticia_all.asp?noticiaid=66160&seccaoid=3&tipoid=236


"O que resta da Acção Católica Portuguesa?

Historiador Paulo Fontes fala dos 75 anos de fundação e do fim deste corpo global do laicado católico no nosso país
Em Novembro de 1933, na Conferência Plenária do Episcopado português foram aprovadas as bases orgânicas da Acção Católica (AC), que assim nascia no nosso país. Era então definida como “o conjunto das organizações do laicado católico português que propõe a difusão e a defesa dos princípios católicos na vida individual, familiar e social, sob a directa e inteira dependência da hierarquia e por mandato desta recebido”.
A primeira obra de cariz científico sobre a Acção Católica Portuguesa (ACP), apresentada no nosso país teve a autoria de Paulo Fontes, membro do Centro de História Religiosa (CEHR) da Universidade Católica Portuguesa. O historiador considera que a ACP há muito chegou ao fim, no nosso país.
“Hoje quando falamos da celebração dos 75 anos (da AC, ndr), falamos da fundação, porque já não há Acção Católica Portuguesa, há que dizê-lo com clareza”, afirma.
Paulo Fontes assinala que “a ACP como corpo global, orgânico, acabou em 1974”. Nesse ano, a então Comissão Executiva entrega aos Bispos a responsabilidade de acompanharem uma multiplicidade de movimentos autónomos.
Em declarações ao Programa ECCLESIA, este especialista - autor da dissertação de Doutoramento com o título "Elites Católicas na Sociedade e na Igreja em Portugal: o papel da Acção Católica Portuguesa (1940-1961)" – explica que a ACP nasceu “de uma preocupação grande da hierarquia católica, a de encontrar uma resposta orgânica, capaz de envolver os católicos do país, numa cruzada de reconquista cristã ou recristianização da sociedade”.
Procurando um novo modo de estar da Igreja em sociedade, tentou-se secundarizar o que separava os católicos, “nomeadamente a questão política” e “estar presente na sociedade para essa tarefa de recristianização”.
Estando perante um dos fenómenos que mais marcou a vida da Igreja Católica em Portugal, no século passado - apenas suplantado, em importância, por Fátima -, Paulo Fontes destaca o seu efeito “mobilizador”, seja na criação de novas elites, seja nas “massas”.
Uma ideia de “acção católica” já se encontrava no século XIX, dada a necessidade de “reencontrar um espaço onde a presença cristã se fizesse sentir” em sociedades que já não se definiam como religiosas.
A Acção Católica pode ser definida, de forma genérica, como a forma organizada de apostolado dos leigos que, no seguimento dos movimentos católicos do séc. XIX, foi incrementada por Pio XI, alcançando grande implantação sobretudo nos países católicos latinos.
Em Portugal, a Acção Católica incluía duas dezenas de "organismos" especializados por sexos, idades e meios sociais, coordenados por quatro "organizações" e por uma "Junta Central", chegando a contar 100 mil associados na década de 50, segundo dados publicados e cartografados pelo então Pe. Manuel Falcão, hoje Bispo emérito de Beja.
Paulo Fontes destaca a ideia da “evangelização do semelhante pelo semelhante”, que levou a “uma cristianização feita a partir da assunção da condição e do protagonismo dos próprios leigos”, para chegar “onde a hierarquia não chegava”.
Daqui surgiram “experiências novas e diversificadas, umas que tiveram o seu tempo e que terminaram, outras que se transformaram”.
Na sua obra, Paulo Fontes apontava dois elementos que esmoreceram e ajudam a explicar o fim do modelo orgânico da ACP: o primeiro, "um certo entendimento da unidade, porque a Acção Católica procurava afirmar a unidade na diversidade, mas uma unidade entendida como união, que se sobrepunha ao que era a particularidade das dioceses ou as particularidades dos meios sociais".
O segundo elemento é a ideia do "mandato", numa visão de Igreja em que "o protagonismo e a iniciativa dos leigos, de algum modo, ainda estava secundarizado ao próprio apostolado hierárquico".
À ECCLESIA, Paulo Fontes assegura que da ideia de Acção Católica resta hoje “muita coisa”, a começar pelos “movimentos e dinâmicas que prolongam experiências que nasceram no interior deste movimento orgânico e que se autonomizaram”.
Outra herança é a “vitalidade presente em intuições pastorais da AC e que se transpuseram” para campos eclesiais e da sociedade, com destaque para a questão do “apostolado dos leigos” dentro da Igreja Católica e o “enraizamento social do cristianismo”."
Octávio Carmo | 19/11/2008 | História da Igreja
in: http://www.agencia.ecclesia.pt/noticia_all.asp?noticiaid=66507&seccaoid=3&tipoid=186

domingo, novembro 16

Domingo 33º do Tempo Comum

Para o momento da partilha, a Clara Lourenço e o Raimundo propuseram-nos estas reflexões:

“Quem poderá encontrar uma mulher virtuosa?”
Esta pergunta com que se inicia a primeira leitura do 33º Domingo do tempo comum, retirada do Livro dos Provérbios e frequentemente apresentada como “um poema em louvor da mulher virtuosa”, não pode deixar de nos interpelar e de modo muito particular quando somos mulheres. Com efeito, o carácter interrogativo bem como o uso do determinante indefinido não deixam dúvidas quanto à ideologia de quem coloca a questão, ideologia que a frase seguinte de imediato esclarece. “O seu valor é maior que o das pérolas”. Colocando o valor da mulher virtuosa acima do valor atribuído às pérolas, coisa rara e valiosa por excelência, afirma-se a dificuldade de encontrar alguma mulher que corresponda por inteiro ao que se procura. Logo aqui vemos que, na verdade e contrariamente à ideia de louvor da mulher virtuosa, o que sobressai é a sua raridade e quiçá a possibilidade da sua existência. Mas o texto, que continua fazendo a exaltação das prendas da mulher virtuosa e do modo como ela as coloca ao serviço do bem-estar do marido e dos outros, num gesto de entrega e doação abnegada de si, oferece ainda outros elementos dignos de reflexão. A mulher virtuosa é aquela que zela pelo bem-estar do marido, poupando-o a preocupações, entregando-se ao trabalho de modo a assegurar-lhe tranquilidade e alegria sem se deixar dominar por desejos enganadores e supérfluos. E é também aquela que teme o Senhor estabelecendo-se assim uma assimilação entre os deveres de esposa e os deveres para com o Senhor.
Mas não podemos esquecer que se trata de um texto extraído do Livro dos Provérbios que tem uma função socializadora baseada na sabedoria popular e como tal compreensível no contexto em que foi escrito. Aquilo que já não compreendemos tão facilmente é a forma como este e outros textos sagrados foram utilizados para, ao longo dos tempos e ainda hoje, perpetuar uma ideologia claramente redutora da dignidade da mulher subordinando essa dignidade a uma dimensão funcional de esposa e mãe em vez de relacioná-la com a mulher enquanto ser humano de pleno direito e igual dignidade aos olhos de Deus.
Uma última nota sobre a ideia que subjaz na seguinte afirmação: “a mulher que teme o Senhor é que será louvada.” Onde está a virtude de quem age por temor e não por amor?
Quem é o nosso Deus? Um Deus castigador, vingador, ou um Deus amoroso que a todos acolhe e perdoa?

“Ditoso o que segue o caminho do Senhor.”
Clara Moura Lourenço


Com todo o meu ser
Há muito tempo – não sei precisar desde quando – que fico algo irritado ou, melhor, desconfortável, com a inevitável abordagem da leitura deste Evangelho em que se reforça a importância de pormos a render os “talentos” que nos calharam nesta vida terrena, por fortuna ou azar, de origem mais material ou de inspiração mais divina.
Não gosto particularmente das expressões que Cristo (ou o Evangelista, ou o tradutor) colocam na boca do Senhor/Patrão dos servos quando decide castigar o que nada fez. Não posso deixar de recordar as minhas aulas de “Políticas e técnicas de financiamento da construção” no já longínquo ano de 87, em que nasceu a Luísa e em que comecei o Mestrado no Porto. Nessa cadeira, então tutelada por Miguel Cadilhe – que nunca nos deu a honra da sua presença – aprendia-se que o juro é como tempo: não pára. Um dia em que não se contabiliza a sua valorização é porque estamos perder. Em cada minuto, o dinheiro no meu bolso, parado, não investido, sem produzir algo, está a desvalorizar.
Esta dependência da evolução e do crescimento constante é, no mínimo, assustadora, quando se compara com o recorde de uma marca desportiva que se pode sempre teoricamente superar. Só há um limite: o nadador ou o maratonista não podem chegar antes de partir. Quando se esquece essa regra básica, tudo pode acontecer… no desporto, na banca, no mundo, na nossa vida.
Explicado o motivo do desconforto com a parte final do Evangelho e confessada esta angústia resultante do insuficiente conhecimento dos mecanismos da economia, posso dar-vos o meu testemunho.
Assumo que os talentos devem ser postos a render e não vou perder tempo a discutir quais são e porquê.
Pergunto antes, para quê? Com que objectivo? Servindo os interesses de qual Senhor?
Na Bíblia a resposta é simples porque, dizendo tudo, corre o risco de não dizer nada. O grande sentido, o grande objectivo será: “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos”. Pois é…! E como é que isso se faz com cada um dos nossos (dos meus talentos)? Onde está o preto e o branco, o certo e o errado, num mundo em que a ciência cada vez mais instala a verdade da dúvida?
O poder não autoritário – a qualquer nível – é um talento que deve ser posto a render o mais possível, não a favor de quem o tem, mas de quem lho entrega, de quem lhe dá razão de ser. Se assim fosse, “poder” era “serviço” e talvez estivesse mais próximo da lógica do Evangelho, independentemente da convicção religiosa de cada um.
Na vida profissional sou engenheiro, sou professor, sou investigador e sou gestor. Tento colocar “todo o meu ser” (expressão que gosto muito) naquilo faço, acreditando que, assim, valorizo os tais talentos que me calharam. Como posso saber se o faço bem, se todos os dias sou confrontado com alegadas contradições e ineficácias? Acredito que esta dúvida é, no mínimo, uma indicação ténue de um bom caminho. Sublinho “um” bom caminho porque insisto em acreditar há vários possíveis e que, provavelmente, o Senhor/Patrão dos servos, se parasse um pouco mais e não respondesse ao imperativo de dar, ali e naquele instante, uma mensagem directa e inequívoca, teria encontrado as boas razões do último servo, apesar de diferentes das suas. Que mais valia terá ele angariado que o Senhor/Patrão não conseguiu vislumbrar?
Não acredito no juro fácil, não acredito na verdade única, não acredito na certeza inabalável. Acredito numa inquietação produtiva, reflectida em comunidade, tantas vezes demasiado cansativa, mas que só tem sentido se o juro dos talentos tiver um destinatário maior do que o meu umbigo, mesmo que ele seja do tamanho do mundo.
Comunidade João XXIII – 16.NOV.08
Raimundo Mendes da Silva

domingo, novembro 9

Domingo 32º do Tempo Comum (Dedicação da Basílica de Latrão)

Alterações climáticas pedem actuação ética

Bispos da Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia pedem actuação de católicos e políticos

Os bispos da COMECE - Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia apelam aos cristãos e às Igrejas que sejam exemplo na mudança de estilo de vida para combater as alterações climáticas.
É este o principal apelo dado a conhecer, esta tarde, na apresentação do documento «Uma visão Cristã das Alterações Climáticas», da responsabilidade do grupo de especialistas constituído pela COMECE e partilhado pelo Comissário da União Europeia.
O documento sublinha que o enorme desafio do clima é “dirigido a toda a humanidade” e lança um apelo a todos os líderes europeus para “basearem as suas políticas num pensamento ético, na justiça inter-geracional e na solidariedade para com os países do Sul”. Os especialistas apelam ainda às Igrejas e aos cristãos para serem exemplo na adopção de um estilo de vida baseado na moderação.
“A luta contra as alterações climáticas deve ser reconhecida, acima de tudo, como um problema público e ético”. Os especialistas entendem que será difícil a sua resolução sem desafiar “determinados organismos sociais, sem questionar formas de vida comum e o sistema de valores da sociedade civil”.
De forma a convencer os cidadãos que, fundamentalmente, têm de mudar a sua forma de vida e de pensar, “os líderes políticos deveriam desencadear uma profunda reflexão e debate ético”. Segundo o relatório, a reflexão deveria ser baseada na teologia cristã, que “tem vindo a desenvolver interessantes ideias sobre esta matéria”.
“Acima de tudo, os valores e princípios do ensino social da Igreja, justiça global, atenção aos pobres, subsidariedade, solidariedade e responsabilidade para o bem comum, poderia permitir uma avaliação sobre as políticas climáticas”, explicam os especialistas.
Os autores do estudo dão especial ênfase no facto de as alterações climáticas serem uma questão de “justiça intra e inter-geracional”. Consequentemente, os especialistas pedem à UE que assuma a liderança e que faça ouvir a sua voz em benefício dos países em vias de desenvolvimento e das gerações futuras que irão suportar ou já suportam o peso das alterações climáticas.
“A UE tem uma responsabilidade especial no combate às alterações climáticas, devido aos meios tecnológicos, financeiros e devido à experiência na acção cooperativa. A EU deveria ser exemplo e convencer os actores para a necessidade de proteger o clima na Terra”.
O documento aponta ainda que as alterações climáticas são sintoma de “uma forma de vida insustentável, produção e padrões de consumo que envolvem o mundo industrializado mas que não sustentam o futuro”. Os especialistas pedem a todos os cidadãos que questionem a sua forma de vida, demasiado dependente em bens materiais, e que baseiam a sua vida em bens culturais e relacionais.
“O nosso modo de vida deveria ser baseado numa «moderação voluntária», uma virtude central que deveria ser compreendida como um desejo, e não compreendida à luz da ambição”.
Segundo o documento, “a Igreja Católica e todos os cristãos estão melhor posicionados para veicular mudanças nos modos de vida, através de propostas concretas e modestos exemplos”.
Como forma de contribuir para o debate sobre alterações climáticas, a COMECE decidiu, oficialmente, estabelecer um grupo de trabalho sobre «Políticas da UE sobre alterações climáticas e o modo de vida cristão». O grupo, constituído por 10 personalidades europeias dos campos da política e ciência, irá submeter o seu relatório à COMECE por ocasião da Assembleia Plenária, marcada para 12 de Novembro.
(in: http://www.agencia.ecclesia.pt/noticia_all.asp?noticiaid=65708&seccaoid=4&tipoid=53)


DEDICAÇÃO DA BASÍLICA DE LATRÃO
9 de Novembro

O palácio de Latrão, propriedade da família imperial, tornou-se no século IV, habitação particular do papa. A Basílica adjacente, construída pelo imperador Constantino e dedicada, em 320, ao Divino Salvador, foi a primeira catedral do mundo: aí se celebravam os baptismos na noite de Páscoa. Mais tarde dedicada também aos dois santos João, Baptista e Evangelista, foi por muito tempo considerada a Igreja mãe da Diocese de Roma, e nela se realizaram as sessões de cinco grandes Concílios ecuménicos.
A Basílica de S. João de Latrão é a Catedral do Papa como Bispo de Roma - aí preside o Papa à Celebração da Eucaristia em Quinta Feira Santa.
Segundo uma tradição que remonta ao século XII, celebra-se no dia 9 de Novembro o aniversário da Dedicação (ou Consagração) da Basílica de Latrão. Inicialmente foi uma festa exclusivamente da cidade de Roma; mais tarde, estendeu-se à Igreja de rito romano, com o fim de honrar a Basílica que é chamada «a Igreja mãe de todas as Igrejas da Urbe [Cidade (de Roma)] e do Orbe (Mundo)» e como sinal de unidade com o Bispo da Diocese de Roma que, como escreveu Santo Inácio de Antioquia (†107), «preside à assembleia universal da caridade».
Unindo-se no dia 9 de Novembro, à Diocese de Roma, as Dioceses de todo o mundo lhe reconhecem a «presidência da caridade». Analogamente sucede na festa da Dedicação da Igreja Catedral de cada Diocese, à qual estão “ligadas” todas as paróquias e comunidades que dela dependem (na Diocese de Coimbra o aniversário da Dedicação da Igreja Catedral que é a Sé Nova é no dia 16 de Novembro).


Sobre este tema, o Samelo mandou-nos mais duas reflexões, que podem ser vistas aqui e aqui.

sexta-feira, novembro 7

"...na eternidade do Deus vivo e infinitamente bom"

A nossa Celebração começou a ser preparada ainda na véspera, no Dia de Todos os Santos, com o José Pureza a chamar-nos a atenção par ao artigo do Anselmo Borges no Diário de Notícias.

No Domingo, juntámo-nos para Celebrar a Vida!
Iniciámos a nossa Eucaristia com um belíssimo momento de evocação dos nossos mortos:

Charlie Haden with Josh Haden & Jerry Douglas - Spiritual


SPIRITUAL
Jesus, I don't want to die alone
Jesus, oh Jesus, I don't want to die alone
My love wasn't true
Now all I have is you
Jesus, oh Jesus, I don't want to die alone.

Jesus, if you hear my last breath
Don't leave me here
Left to die a lonely death
I know I have sinned
But Lord I'm suffering
Jesus, oh Jesus, if you hear
My last breath.

All my troubles
All my pain
Will leave me
Once again


“Depois da morte, para os mortos, já não há aniversário, porque, com a morte, sai-se do tempo e entra-se na eternidade. Na eternidade do nada ou na eternidade de Deus. Espero que na eternidade do Deus vivo e infinitamente bom.”
Anselmo Borges, Diário de Notícias 1.11.2008

Para o momento do perdão, rezámos com um poema de Angelo Roncalli (Papa João XXIII):

HOJE, APENAS HOJE

Hoje, apenas hoje, procurarei viver pensando
apenas neste dia, sem querer resolver de uma
só vez todos os problemas da minha vida.

Hoje, apenas hoje, terei o máximo cuidado
na minha convivência: serei cordial, não criticarei
nem pretenderei melhorar ou corrigir
ninguém à força, senão a mim mesmo.

Hoje, apenas hoje, adaptar-me-ei às circunstâncias,
sem esperar que sejam todas as
circunstâncias a adaptar-se aos meus desejos.


Foi, assim, um início intenso, rico, pleno de memória: não só pelos nossos familiares e amigos mas, também, pelo 50º aniversário da eleição do Cardeal Angelo Roncalli para Papa: o Bom Papa João XXIII (28 de Outubro).

Por isso mesmo, na Liturgia da Palavra, relemos dois trechos de uma acutilante actualidade:

“O maior problema da época moderna talvez seja o das relações entre as comunidades políticas economicamente desenvolvidas e as que se encontram em fase de desenvolvimento económico; as primeiras, por conseguinte, com alto nível de vida; as outras, em condições de escassez ou de miséria. A solidariedade que une todos os seres humanos e os torna membros de uma só família, impõe aos países que dispõem com abundância de meios de subsistência o dever de não permanecerem indiferentes diante das comunidades políticas cujos membros se debatem com as dificuldades da indigência, da miséria e da fome e não gozam dos direitos elementares da pessoa humana. Tanto mais que, dada a interdependência cada vez maior entre os povos, não é possível que entre eles reine uma paz durável e fecunda, se o desnível das condições económicas for excessivo.” (Mater et Magistra, 1961)

“A todos os homens de boa vontade incumbe, pois, a imensa tarefa de restabelecer as relações de convivência, baseando-as na verdade, na justiça, no amor e na liberdade. (…) Estes homens, bem poucos certamente para tão grande tarefa, merecedores do aplauso universal, é justo que de nós recebam o elogio público, bem como uma urgente exortação a que preseverem em tão salutar empreendimento. Mas conforta-nos igualmente a esperança de que muitos outros, sobretudo de entre os cristãos, levados pela consciência do dever e pela exigência da cvaridade, virão juntar-se-lhes. Porque todos aqueles que acreditam em Cristo devem ser nesta sociedade humana como que um facho de luz, um fogo de amor, um fermento que levede toda a massa, e tanto melhor o serão quanto mais unidos estiverem com Deus.” (Pacem in Terris, 1963)

No momento da partilha, escutámos alguns testemunhos, sobre João XXIII, que nos foram trazidos pelo José Pureza; são eles do Zé Dias, da Alfreda Fonseca, do Miguel Marujo e do Anselmo Borges. Aqui ficam:

JOÃO XXIII – O PAPA DA BONDADE, DA CONCÓRDIA E DA ATENÇÃO AO ESPÍRITO SANTO
Eleito já em idade avançada e doente, mais como Papa de transição, propôs-se, para lá de duas encíclicas memoráveis (a Mater et Magistra mas sobretudo a Pacem in Terris), três grandes objectivos: reunir um Sínodo diocesano (ele era também bispo de Roma}, publicar um novo Código de Direito Canónico (o último datava de 1918) e convocar um Concílio.
Esta convocação "quase deixou em pânico" a milenar estrutura curial pelas mudanças profundas que poderia trazer. Mas também surpreendeu todo o mundo, já que se tratava de uma tarefa demasiado pesada para um "velho" de 80 anos e tão ingente que, tanto Pio XI como Pio XII que chegaram a pensar nesta ideia, não se tiveram a coragem de pô-la em
prática.
Por isso, o Concílio tem muito do modo de ser deste Papa bondoso:
- do seu estilo de vida: simplicidade, optimismo, aposta constante na reconciliação, recusa em fazer condenações e, como principal critério pastoral, a preocupação primeira pelas pessoas a quem se dirigia, o que inclusive o levou, com aquela idade, a aprender línguas: "Não é que eu pretenda fazer discursos em inglês, mas parece-me que não serei Pai se me aproximar de tantas pessoas que só conhecem o inglês e não lhes dirigir uma palavra sequer que elas entendam", escreveu ele ao seu confessor; daí também a sua grande preocupação para que a língua vernácula fosse introduzida na liturgia;
- da sua leitura dos sinais dos tempos: a Igreja estava desfasada de um mundo que avançava a passos Largos nem sempre pelos melhores caminhos; era preciso fazer o aggiornamento, "pôr em dia" a Igreja, não na sua doutrina, mas na sua vida e no modo de exprimir esse "depósito da fé" que era chamada a preservar ao serviço de um mundo melhor;
- do seu amor e estudo da história que lhe forneceu lições e elementos fundamentais: a investigação sobre a Reforma deu-lhe a conhecer melhor os irmãos separados; da história em geral aprendeu ao que conduziram as sucessivas condenações que a Igreja foi espalhando ao longo da história; por isso, o concílio não seria condenatório;
- das passagens, como núncio apostólico:
• por Sofia, Atenas e Constantinopla, que lhe permitiu conhecer o que pensava a Igreja ortodoxa da Igreja católica e experimentar ao vivo mais esta dolorosa divisão dos cristãos: dai a sua quase obsessão pelo Ut sint unum (Que todos
sejam um), a sua paixão pelo ecumenismo; esta verificação foi possivelmente uma das causas mais decisivas para a convocação do Concílio;
• por Paris, num mundo totalmente diferente, o mundo da cultura do século XX, profundamente marcado pela indiferença religiosa, que lhe fez sentir a urgência de uma profunda renovação do cristianismo; ali intuiu a necessidade daquilo que mais tarde viria a ser a Gaudium et Spes.
Zé Dias 28.0ut.2008

Nos 50 anos da eleição do Papa João XXIII, recordo especialmente a sua capacidade de ler os sinais dos tempos e neles interpretar os apelos da humanidade em busca de Deus, bem como a resposta que a Fé no Deus de Amor, de Jesus Cristo, pode ser proposta a cada pessoa.
Provavelmente muitos de nós hoje não seriamos crentes se não fosse a coragem deste Papa que convocou o concílio Vaticano II.
A Igreja tinha acumulado tanta “ganga” histórica que se tinha tornado quase “opaca” à mensagem evangélica. As formas ritualistas de piedade cristã, eurocêntricas e datadas com prazo de validade expirado, tornavam-se um obstáculo a que o pensamento e a busca livre dos fiéis fosse admitido. O virar costas à Modernidade, o conservadorismo implícito e explícito tornando anátema tudo aquilo que fosse levemente distinto do centralismo (nada) democrático romano, tinha levado a Igreja e o seu precioso depósito da Fé para um beco sem saída.
A capacidade de João XXIII de saber quando e como abrir a janela e deixar entrar a ventania que foi o sopro forte do Espírito Santo e arejar a instituição reconduzindo-a à sua função inicial de mostrar o rosto de Deus através de Jesus Cristo incarnado na nossa História muito humana e diversa, é a prova que o Reino de Deus está entre nós e que é possível vivê-lo a anunciá-lo.
Era inesperado que este Papa, velho, doente e com uma carreira burocrático - eclesiástica na Santa Sé, pudesse ser em 1º lugar, eleito Papa, e depois, o protagonista da maior mudança a que a Catolicidade foi chamada no sec XX …e no entanto foi através dele que o Espírito de Deus se manifestou a todos nós. Estamos-lhe gratos por isso. Pelo menos eu estou!
Alfreda Fonseca


TÃO PERTO E TÃO LONGE
Não é fácil falar de João XXIII na minha vida. Do Bom Papa, como o chamavam e chamam, não retenho mais do que uma imagem impressionista, em que o real se mistura muitas vezes com o imaginário - aquelas em fotos rugosas de jornais amarelecidos, estas em filmes que nos mostram outra cara e esquecem a complexidade da vida pela simplicidade hagiográfica de contar uma história. O que é real foi a descoberta em fragmentos soltos, frases dispersas, excertos de textos maiores de um pensamento que nos inquietava, do sobressalto que era pensar a Igreja no mundo, sem conjunção nem adversativa porque a Igreja está no mundo, é do mundo, vive aí.

Para mim, João XXIII é pois um Papa de uma história tão longínqua como próxima, feita de atenção às pequenas coisas do mundo. Longe no tempo, próxima na inquietação de querer mudar, palavra chave para este tempo de tanta acomodação e resignação. Nos meus tempos de militante do MCE era também nas suas palavras que muitas vezes tropeçávamos à procura de notas ou apontamentos que nos dessem pistas para o nosso trabalho, mais ainda para ideias que pareciam ir contra a corrente.

Mas contra a corrente continua a ser esses monumentos de palavras que nos obrigam a parar que são Pacem in Terris, que permanece dramaticamente actual, apesar de ter sido escrita por causa da guerra fria, e Mater et Magistra, que devia ser pão para a boca para tantos nesta nossa Igreja. Afinal, recorda-nos o Papa, a abrir o documento, que "a Santa Igreja, apesar de ter, como principal missão, a de santificar as almas e de as fazer participar dos bens da ordem sobrenatural, não deixa de preocupar-se ao mesmo tempo com as exigências da vida quotidiana dos homens, não só naquilo que diz respeito ao sustento e às condições de vida, mas também no que se refere à prosperidade e à civilização em seus múltiplos aspectos, dentro do condicionamento de várias épocas."

Há 50 anos e tão actual. Devo corrigir-me: a história de Angelo Roncalli só me é próxima. De longínqua não tem nada.
Miguel Marujo


1. Impressionou-me a sua simplicidade e imenso humor. Lembro, por exemplo, aquela vez em que, já ele Papa, um aluno de um Colégio Universitário em Roma lhe perguntou como era sentir-se o primeiro no Vaticano. E ele: "Está enganado; eu estive a contá-los e devo ser o sexto ou o sétimo..."
2. Era um cristão, com bondade boa. Assim, também lembro aquela vez em que ele chegou tarde ao Varicano e havia muita gente à espera dele. Dirigiu-lhes umas breves palavras, terminando: "já é tarde; olhai para a lua que esta noite está tão bela; ide para casa e não vos esqueçais de dar um beijo meu aos filhos pequenos."
3. Porque era cristão e já se tinha apercebido de que na Igreja o ar era irrespirável, convocou um Concílio Ecuménico, na tentativa de converter a Igreja ao Evangelho e tornar os católicos cristãos, na fraternidade universal.
4. Se ele fosse vivo e ouvisse falar da vossa Comunidade João XXIII, estou convencido de que ficaria contente e dar-vos-is ânimo para continuardes.
Um abraço amigo
Anselmo

Já no Credo, rezámos esta bela oração de Martin Luther King, tendo (como música de fundo), uma lindíssima interpretação do We Shall Overcome:
Charlie Haden & Hank Jones - We Shall Overcome


"Hoje,
na noite do mundo e na esperança da Boa Nova,
eu afirmo com audácia minha fé no futuro da humanidade.
Recuso crer que as circunstâncias actuais
tornem os homens incapazes de fazer uma terra melhor.
Recuso crer que o ser humano
não seja mais do que um boneco de palha agitado pela corrente da vida,
sem ter a possibilidade de influir minimamente no curso dos acontecimentos.
Recuso-me a partilhar a opinião dos que pretendem
que o homem está de tal maneira prisioneiro da noite sem estrelas,
da guerra e do racismo,
que a aurora luminosa da paz e da fraternidade não possa nunca tornar-se realidade.
Recuso fazer minha a predição cínica
daqueles que dizem que os povos mergulharão, um após outro,
no turbilhão do militarismo, até o inferno da destruição termonuclear.
Eu creio que a verdade e o amor incondicionais
terão efectivamente a última palavra.
A vida, ainda que provisoriamente derrotada,
é sempre mais forte que a morte.
Eu creio firmemente que,
mesmo no meio das bombas que explodem e dos canhões que troam,
permanece a esperança de um amanhã radioso.
Ouso crer que, um dia, todos os habitantes da terra
poderão receber três refeições por dia para a vida de seu corpo,
a educação e a cultura para a saúde de seu espírito,
a igualdade e a liberdade para a vida de seus corações.
Creio, igualmente, que um dia toda a humanidade
reconhecerá em Deus a fonte do seu amor.
Creio que a bondade salvadora e pacífica um dia será lei.
O lobo e o cordeiro poderão repousar juntos,
todo homem poderá sentar-se sob a sua figueira, na sua vinha
e ninguém terá motivo para ter medo.
Creio firmemente que triunfaremos."



Para finalizar, no momento de Acção de Graças, saboreámos estas palavras de Manuel Alegre (A Praça da Canção, Coimbra, Centelha, 1975 [3ª ediçao]):

Para João XXIII

Porque não sei de Deus não trago preces.
Sou apenas um homem de boa vontade.
Creio nos homens que acreditam como tu nos homens
creio no teu sorriso fraternal
e no teu jeito de dizer
quase como quem semeia
as palavras que são
trigo da vida.
Creio na paz e na justiça
creio na liberdade
e creio nesse coração terreno e alto
com raízes no céu e em Sotto il Monte
De Deus não sei. Mas quase creio
que Deus poisou nas mãos cheias de terra
dum jovem camponês de Sotto il Monte.

Por isso mando à Praça de S. Pedro
não uma prece
mas a minha canção fraterna e livre
esta canção
que vai pedir-te a humana benção
João XXIII avô do século.